A Noite

Tu dos amantes silenciosa amiga ,
Que d’amor os misterios apadrinhas ,
Mais doces , quam dificeis .
Tu de quem o silencio favorece
Meditações profundas ; que do sábio
Hes o tempo querido .
Engrossa as trevas, enegrece as ondas ,
Noite, outr’ora de risos companheira ,
Sé hoje de suspiros .
Teu manto de brilhantes semeado ,
Que me aprazia contemplar outr’ora
Em pensativo arroubo ;
Do teu astro essa luz tão maviosa ,
Que aos meus os olhos do meu bem mostrava ,
Mais do que’la suaves .
Os fagueiros melindres, os carinhos ,
Mais brandos que de zefiro o bafejo
Que te adoça no estio .
Prazeres e tão vivos, e tão varios ,
Quaes em cores os circulos que cingem
De Cinthia a redondeza ;
Favores que avarento cala o peito ,
qual o silencio teu então calava ,
D’eles só testemunha ;
Ah ! não me lembres , não , mudem -se ó Noite ,
Doces momentos em tristonhas horas ,
Em lagrimas os risos .
Ó despotas d’amor divinos olhos ,
Lingua do coração, sim , eu te amo ,
Diceste antes que os labios .
Como d’amor pintaveis os enlevos ,
Extasis que sem vós dentro no peito
Abafados ficarão ?
Augmenta - se o prazer , prazeres dando ;
E vós da amada delatando os gozos
Juntaes ao nosso os d’ela .
Mais o pejo esconder procura os gostos ,
Mais indiscretos sois , doces traidores
D’amorosos segredos .
Em languidos requebros quando .... Oh ! longe ,
Longe moles lembranças , que enfraquecem
O peito nos perigos .
Ancioso pela Patria, a Patria busco :
Quaes d’ela são meu braço, e a vida, sejão
Meus pensamentos todos .
Ó noite, manda favoráveis auras
Que o espaço encurtem: Ah ! já são mui longos
Tão miseros errores .
Poema escrito no mar em 1810, indo de França para New - York .
A Saudade
Tu que n’auzencia privações disfarças ,
Na enganoza atração levando amente
Aos sítios da ventura ,
Que minoras o mal , nos ais que exhalas,
E sabes dár ás lagrimas que vertes
Agradação do gozo .
Vem querida Saudade , espelho fido ,
Em que amor ante os olhos da lembrança
O bem passado oferece .
O venturosa lua que os lugares
Vás de meus gostos ver, este suspiro
Toma , e n’eles derrama .
Dize - lhes onde estou ; que só me deixas
Por tristes companheiras, noite , vagas ,
E o desabrido noto .
Vai , dos formosos lumes de Marília ,
O sono pouco a pouco desprendendo ,
E languidos abrindo ,
Vai , e n’esse momento preguiçozo ,
Em que os requebros do celeste corpo
Vires, mal acordado ,
Dize - lhe docemente, porem n’esse
mudo falar que os labios não conhecem ,
Que os olhos só compreendem ,
Dize - lhe ! ... a tirania com que matas
He mui doce ó saudade ! basta, vai -te ,
Se me não deixas , morro .
Ó d’auzencia cruel querida amiga !
Tão vivas recordar gratas memorias
Bem he, peior que o mal .
He dar amargo fel em taça de oiro ;
Dobra o mal do infeliz do bem o aspecto ,
Basta , não mais saudade .
Indo de França para os Estados - Unidos d’America em 1810.
Ao Chegar à Bahia
Salve ó berço onde vi a luz primeira !
Rizonhos montes, deleitosos ares !
Eu te saúdo ó Pátria !
Como no peito o coração festeja !
Todo me sinto outro: são delícias
Quando em torno a mim vejo
Tem outro ar o céu, outro estas árvores !
Por onde adeja zéfiro embalsama ! ...
Dá te beije ó terra !
Deste que só tu dás prazer, teres lustro,
Privado qual proscrito arrasto a vida
Em forçado errores .
Oh ! quanto da ventura o ledo aspecto
Das passadas desgraças a lembrança
Nos apresenta viva !
Não houvera prazer se a dor não fora ;
Perene fácil gozo, toma aa essência
Da fria indiferença .
Aqui foi que eu nasci, devo a existência ,
Devo tudo o que sou a ti ó Pátria !
Eis - me: é teu quanto valho .
É nos trabalhos que no peito ferve
O nobre patriotismo, o braço, o sangue .
Aqui te entrego , ó Pátria !
( Florilégio da poesia brasileira ) Tomo III - Madri 1853 pag. 181 .
Gabinete Português de Leitura.
A Melancolia .
Ode
Chame embora prazer a mente stulta
O enfadonho motin das sociedades ,
Imagine gozar quando se aturde
Na importuna alegria .
O perfeito prazer mais que do gozo
Deixa á pós si delicia duradoira ,
Que longo tempo a mente saboréa :
No gozo a d’ele expira .
Em quanto da ilusão se nutre o vulgo
Oh ! como he doce junto á clara fonte ,
No verde manto do Salgueiro envolto ,
E Marilia na idea ,
Ver a macia luz que Cinthia espalha ,
O bafejo sentir com que Favonio ,
Do bosque silencioso agita as folhas ,
Convidando os suspiros !
Se um barco alveja então sulcando as aguas ,
E se vai pouco a pouco separando ,
Do apartamento imagens que desperta ,
Poem no quadro a Saudade .
Mimosa companheira da ternura ,
Do mal ao bem passagem feiticira ,
Suave agitação , em qu’alma goza
Sem esse afan do jubilo .
Prazer que tens de dór feições mui fracas ,
A tristeza te apraz , os ais te agradão ,
São gostozas as lagrimas com tigo ,
Doce Melancolia .
Só delicado espirito aprecia
A delicia que dás , tu não te mostras
A escura multidão de humanos rudes ,
E vulgares amantes .
Mais queres do que amigo, terna amiga ,
No coração de quem meiga te entornes,
Mais delicada , melhor sabe a lingoa
Que dilata as delicias .
As tuas misturar sabe uma lagrima ,
Que filtra ao coração : da frauta sente
Os maviosos sons , que suspiravão
Metastassio , e Tibulo .
Suave Lilia assim passei com tigo ,
Quando depositava no teu peito
Uma vez os desdens , outra as meiguices
Que Marilia me dava .
Sempre que te busquei , consolo tive ,
Contando - te meus gostos duplicavão,
Eas mogoas repartindo , nos carinhos
Minoradas sentia .
Em pranto beijo os maviosos versos ,
Que fino tacto , e as graças te dictarão ;
Do espirito a polidez , d’alma a candura
N’eles saudoso admiro .
Porque fora dos máos , os bons unidos
Qual nos Elisios , cá , viver não podem ?
Porque he forçozo , ó Lilia , que dos mares
O espasso nos separe ?
Arte divina que a distancia ilude ,
A escrita , ó Lilia, supra - nos as vozes ,
Sempre , sempre de ti , dos teus me fala ,
E as vezes de Marilia .
No mar indo do Rio de Janeiro para a Bahia 1813 .
A Gratidão
Ode
Para fazer o bem ternura basta ,
O dó despertão do infortunio as queixas ,
Ao bem fazer nos leva oculta força ,
Que a disgraça acompanha .
Tal prazer se experimenta o bem fazendo ,
Que he fazer o mal a si privar - se d’ele ;
Longe dos homens coração de ferro ,
Se o que digo não sentes !
E nem da ingratidão, para disfarce
Do gelado egoismo , armar-te busques ;
Não fora tão gostosa a humanidade ,
Se os ingratos não fossem .
Melhor que o bem fazer so tu conheço
Ó nobre Gratidão ! Se hes menos doce ,
Do beimfeitor o aspecto olhar sem pejo ,
Tem do sublime assomos .
Fas superior a outro o beneficio ,
A idéa de inferior fere a philaucia ,
Exaspera o equilibrio mal guardado ,
Da balança da sorte .
Ensovalha o favor se vem do orgulho ,
Abafa a gratidão ; se vem do honesto
Delicadeza o enfeita , alegra , e perde
Do favor o ressabio .
O pobre não coteja os seus farrapos
Có brocado do rico se o merece ,
Da bem fazeja mão a esmola aceita ,
Qual dom da divindade .
He tão belo em segredo ornar de pranto
O beneficio , quanto ao que o recebe
Co a voz da gratidão alto dize - lo ,
Assim ambos se honrão .
No mar em 1813 .
A Virtude
Ode
O homem co’a invensão supera o bruto ,
O impulso das paixões co a razão doma ,
Amor o faz humano, a honra probo ,
Ornalhe a mente o estudo .
Mas no olvido dos seculos a morte
Tudo some , se vós porção do Eterno ,
Vós qu’ao Eterno semelhaes o homem ,
Não lhe endeuzaes o espirito .
Da omnipotencia a Mão sinto elevar -me ,
Fora me julgo da fraqueza humana ,
Quando falas virtude ; e ao mesmo Eterno
Cuido tocar de perto .
Se a força ao cadafalso o justo arrastra ,
Cahe das mãos do juiz das leis a espada ,
Córa a injustiça , treme a tirania ,
E ant’ele réos parecem .
O perigo, a mizeria ant’ele embora
A enorme catadura açanhe , afeie ,
Baqueie o mundo embora, entre as ruinas
Sereno altea a frente .
A seu mal impassivel, terno ao d’outrem
Não goza se outro sofre, a dór espreita
E os bens que fás com lagrimas ornando ,
Nunca insulta o infortunio .
De - rojo, quando vil serpeja o crime ,
Brilha, qual resplendor de luz celeste ,
Na eterea região o espr’ito a deja
A tudo sóbranceiro .
O que ao vulgo deslumbra desdenhando ,
Da Fortuna ouro - pel, n’adversidade
De fingidos amigos não espanta
O refalsado rosto .
Sem ti nobres paixões se tornão vicios ,
He concluio a amizade, amor licencia :
Grasna o remorso se emudece o crime
No peito do perverso .
Na vida o máo do bem goza arremedos ,
Na morte os crimes em tropel o esmagão ;
Todo he remorso então : có a morte o justo
Melhor vida recebe .
He da vida no termo, he na disgraça
Que desfeitos do enganos os vãos fantasmas ,
Chorando os devaneios, porem tarde ,
Pela virtude exclama .
Indo do Rio de Janeiro para a Bahia em 1813 .
A Amizade
Ode
Suave inclinação d’alma sensivel
Do sabio apreciada , e mais querida
Do homem virtuoso .
Tu que do amigo ao lado o gosto augmentas
E a poucas o pezar : mimo do Olimpo
Carinhosa Amizade ,
Do puro coração deleite, e vida ,
Irman d’Amor; sem venda, sem archote
Sem agro de ciume .
Mais do que amigo, só conheço amiga :
De seu sexo meiguices privativas
A Amizade requintão .
O amigo he outro eu, no amigo existo
E olaço encantador que as almas prende ,
Es tu nobre Amizade .
Na Amizade o favor desaparece
São gostozo dever os sacrificios
Tudo merece o amigo .
Para salvar o amigo o pr’igo esquece ,
A sanha da disgraça afronta, e a morte
O animo sublime .
Indo do Rio de Janeiro para a Bahia, no mar 1813 .
ODE
No incauto povo os crimes embebia
Por labios embusteiros enfeitados ,
Maculando a fagueira Liberdade
Demagogia astuta .
As mimosas feições , as lindas formas ,
Do viçozo Brasil, já se afeavão ,
Sob as sanguentas garras com que ancioza
A Anarchia o empolgava .
As Maens choravão já , tremia o espozo ,
Os degraos do patibulo a Virtude
Contava já, e aos urros da revolta
Jubilava o perverso .
Lá cahe o Imperio de aluîdas bases! ...
No ameno Vale, na floresta virgem ,
Lá se estende o ribombo surdo, e rouco
Do mugido do crime .
Rasgado o coração ! ... ai ! Pedro ! Pedro !
Morre , se tardas, o Brazil, acude !
Defende - lo juraste, o voto cumpre ,
Se não, aos ceos insultas .
Onde os punhaes ? e o halito empestado ,
Que em negra nuvem sobre nós pezava ?
Eis o céo azulado, o ár suave
Que dá vida ás delicias .
Salve ! querido Brazileiro dia ? ...
Tu, que em dote ao Brazil seu Pedro deste ,
No circulo dos Evos perguiçozo
Volve, puro, e risonho .
( Este poema está no II tomo das “ Poesias “ ) .
"Trovas do outro Mundo" Obra psicografada pelo médium Francisco Cândido Xavier no ano de 1968, participação de Diversos Espíritos.
A vida na Terra é um drama,
Além da velha morada
Neste mundo, muita gente,
Meu corpo – antiga tapera –
No Além a saudade mora,