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quarta-feira, 3 de outubro de 2007

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Arquivo Histórico do Itamaraty - Brasília/Rio de Janeiro
Banco Safra - Projeto Cultural

Bibliografia

Frei Jaboatão - Crônica Vol I e II
Famílias Baianas - Bulção Sobrinho
Relação Panegyrica das Honras Fúnebres - João Borges de Barros
Catálogo Barbosa Machado - 2273 Calmon, Francisco, 1703- pag. 197
Revistas do Instituto Genealógico da Bahia - Dantas Júnior

Bandeirantes e Sertanistas Baianos - Francisco Borges de Barros
Prosadores e Poetas na Bahia - Dr. Cláudio Veiga
Os Tumulos - Domingos Borges de Barros
Festas e utopias no Brasil Colonial - Mary Del Priore
Enciclopédia dos Municípios Brasileiros - Jurandyr Pires Ferreira
Pedro II e o século XIX - Lídia Besouchet
As Barbas do Imperador - Lilia Moritz Schwarcz
Patriarcado e Religião as Enclausuradas Clarissas do Convento do Desterro da Bahia 1677/1890 - Anna Amélia Vieira Nascimento
Salões e Damas do segundo Reinado - Wanderley Pinho
D. Pedro II e a Condessa de Barral - Raimundo Magalhães Jr.
Abrindo um Cofre - Alcindo Sodré
Cartas a Suas Majestades 1859 - 1890 - Ministério da Justiça Arquivo Nacional

segunda-feira, 1 de outubro de 2007

Poesia de Sebastião Borges de Barros e as Festas em Sua Homenagem

- Relação Summaria dos fúnebres Obséquios que se fizeram na Bahia, na
morte do Fidelíssimo Rei D. João V.

Soneto


“Quando ao Sceptro conspira a parca dura,
Também contra o Imperio se conspira;
Pois quando à Magestade a vida tira,
Ao orbe Lusitano a dor apura.

Contra o Monarca, e o Reyno se conjura,
Ao Reyno dando a pena, ao Rey a pira;
E tudo quanto a dor hoje respira,
São fieis exprestoens de magoa pura.

Nesta perda fatal do Soberano,
Todo o Imperio em fim sem refrigerio,
Sente a dor, sente a perda,e sente o damno:

Porém mais o Brasilico Emisferio
Por parte mais vital, se não me engano,
Ou por parte mayor do Luso Imperio.”

Este soneto foi escrito por Sebastião Borges de Barros e encontra-se editado no livro de seu irmão, João Borges de Barros. “Relação Panegyrica das Honras Fúnebres”.



FAUSTISSIMAS FESTAS



Conforme registro no catálogo de Barbosa Machado, as citações de Francisco Calmon, a respeito da Relação das Faustíssimas Festas que celebrou a Camera da Villa de Nossa Senhora da Purificação - Santo Amaro na Comarca da Bahia, esta festa foi motivada pelos Augustíssimos Desposórios da Serenissima Senhora D. Maria, Princesa do Brasil com o Serenissimo Senhor D. Pedro Infante de Portugal, seu tio, e dedicada ao Senhor Sebastião Borges de Barros, cavalleiro professo na Ordem de Christo, Capitão Mór das Ordenanças da mesma Villa, familiar do Santo Offício, deputado actual da meza de Inspecção, e Academico da Academia Brazilica dos renascidos, por Francisco Calmon, fidalgo da casa de sua Magestade, e Academico da mesma Academia, nascido na Bahia no dia 18 de Setembro de 1703.


Rubens Borba de Morais, informa que além da relação, havia três sonetos. Entretanto não constavam neste exemplar.


Ramiz Galvão comenta a obra como se segue:


" A raridade d'este opusculo e a circumstancia de se-acharem nelle descriptas festas celebradas em uma modesta villa do Brazil no anno de 1760 nos-impõem a obrigação de extractar d'elle o que mais curioso fôr. Eis em que consistiram essas demonstrações do publico regosijo":




  • dia 1º de Dezembro: pregão (1) publico das festas pelas ruas principaes da villa:


  • dias 2 a 7 do mesmo mez: seis dias successivos de luminarias:(2)


  • dia 8: festa annual da padroeira da villa:


  • dia 9: a primeira dança dos officiaes da cuttelaria e carpintaria asseadamente vestidos com farças mouriscas:


  • dia 10: tres contradanças dos alfaiates pelas ruas ao som de acordes instrumentos:


  • dia 11: as danças dos çapateiros e corrieiros:


  • dias 12 e 13: repetição dos mesmos folguedos:


  • dia 14: a dança dos congos, que apresentárão os Ourives em forma de embaixada:


  • dia 15: de manhan - o Te Deum laudamus na egreja da matriz de N. S. da Purificação, com missa cantada pelo coadjutor Manoel Dias Seabra, e oração gratulatoria pelo vigario Dr. francisco Xavier da Palma Mattos e Abreu; á tarde- procissão solemne acompanhada pelo Senado da Camara e pelo Regimento de ordenanças da villa commandado pelo capitão - mór Sebastião Borges de Barros; á noite -huma luzida encamizada de vinte parelhas, vestidos os Cavalleiros á Mourisca.


  • dia 16: á tarde saiu o Reinado dos Congos, que se compunha de mais de 80 mascaras, com farças ao seu modo de trajar, riquissimas pelo muito ouro, e diamantes, de que se ornavão e chegando aos Paços do Conselho, onde tomaram assento o rei e a rainha, lhes fizeram sala os Sôbas, e mais mascara da sua guarda, sahindo depois a dançar as Talheiras e Quicumbís ao som dos instrumentos proprios do seu uso, e rito, Seguiu-se a dança dos meninos Indios com arco, e frecha :


  • dia 17: Huma magnifica cavallaria de oito parelhas, Passadas as parelhas, tiraram lanças, jogaram as cannas, e fecharam o festejo d' esta tarde com uma bem ordenada, e vistosissima escaramuça:


  • dia 18 : - de manhan, sahio segunda vez o Reinado dos Congos com todo o seu estado; - á noite representou-se a comédia = Porfiar amando = sob a direcção de Gregorio de Souza e Gouvea, que foi tambem o auctor da = Loa = allusiva ao augusto matrimonio dos principes:


  • dia 19: á tarde - repetio-se a Cavallaria na forma praticada na do primeiro dia:


  • dia 20: á tarde - o mesmo folguedo da vespera, e mais o espectaculo dos carneiros, que os mesmos Cavalleiros déstramente cortárão, concluindo tudo com huma vistosa, e especial escaramuça:


  • dia 21 : sahio terceira vez a publico o Reinado dos Congos:


  • dia 22 : á noite - representou-se a opera da Fabula de Anfitrião ... executada ao vivo pelois mais déstros, e habeis estudantes da classe do Reverendo Padre Mestre João Pinheiro de Lemos. E assim terminaram os festejos tão curiosamente descriptos pelo Academico Francisco Calmon.

Matriz de Nossa Senhora da Purificação - Santo Amaro

Comparando-se estas citações com a descrição da Relação contida na Bibliografia Brasiliana, faltam aqui, duas fôlhas preliminares e duas fôlhas inumeradas, no final, onde estariam as licenças. (Nota do Autor do Catálogo).

Estas festas realizadas no período Colonial entre os séculos XVI e XVIII, foram muito bem explicadas por Mary Del Priore, no livro "Festas e utopias no Brasil colonial" a conceituada historiadora e escritora nos fornece explicações que achamos necessárias ao entendimento das Faustissimas Festas ocorrida em Santo Amaro, tão detalhadamente descritas por Francisco Calmon, destacamos alguns importantes textos:

" Havia Vários sentidos nas funções aparentemente irrelevantes da festa, dando persistência a certas maneira de pensar, de ver e de sentir. A mistura entre o sacro e o profano valia para diminuir e caricaturizar o pagão, o inculto, o diferente do europeu branco e civilizado. Os mitos pagãos eram assim esvaziados e recuperados para serem vivenciados exclusivamente como parte da festa. A América e a África, continentes recém explorados, eram retratados de acordo com os objetivos de colonização: escravos, pedras preciosas, aventura, fêmeas disponíveis - em tudo deviam parecer um espaço de concupiscência sonhada e de riquezas. O negro e o índio associavam-se ao perigo e ao mal e confundiam-se com os jacarés, cobras e dragões sobre os quais iam montados. Na sua estranheza aparecem também como o avesso da civilização ocidental cristã. Sua maneira de vestir-se apenas com penas e adereços justificava sua inferioridade técnica e, por conseguinte, a sua escravidão. Na 'festa dentro da festa' que é a procissão, percebe-se um canal eficiente de circulação de idéias entre colonizados, colonizadores, vencidos e vencedores, tristes e alegres" (Mary del Priore, 1994: 49/50).


"O Rei e a religião, numa aliança colonizadora, estendiam o seu manto protetor e repressor sobre as comunidades, manto este que apenas por ocasião de festividades coloria-se com exuberância". (Mary Del Priore, 1994: 15).


" Serão todos os irmãos desta irmandade obrigados a assistir a todas as festas do Senhor como fica dito, e muito principalmente a Semana santa em Quinta-Feira maior, pela manhã, para a solenidade daquele dia e semana, para a qual e para as mais da Quaresma" (Mary Del Priore, 1994-24).


"Homens bons, com ricas capas bordadas e cocares magníficos, montados em cavalos ricamente ajaezados, acompanhavam o procurador da câmara que lia o bando anunciando a festa. Para que nenhuma palavra se perdesse, um `porteiro' [cobrador de direitos reais] repetia suas palavras e ambos iam acompanhados do alcaide da vila" (Mary Del Priore, 1994:30)


" Em meio à pluralidade do evento que têm lugar regrado dentro da festa ( percebemos que há um rítmo entre o desfilar da procissão, a passagem dos carros alegóricos e os dançarinos, o momento da queima de fogos ou da cavalhada ), ocorrem fatos menores cuja função deve ser interpretada, quer salientando os momentos de integração entre diferentes segmentos sociais quer apontando suas maneiras específicas de usar a festa, como um espaço de diversão; tais partes do todo comemorativo são igualmente importantes para qualquer dos grupos sociais que dele participam" ( Mary Del Priore, 1994:63).

Poesias de João Borges de Barros

Abaixo, transcrevemos Sonetos do Dr. João Borges de Barros, Mestre Escola da Sé da Bahia, homenagem póstumas ao Rei D. João V - Relação Panegyricas das Honras Fúnebres.



1º. SONETO



“Do Luso Salamão, Monarca invicto ,
Todo o universo a perda infausta sente ;
Porque a quanto ilumîna o sol ardente ,
Chega do Império seu o amplo districto .

Da immensa dor o circular conflicto ,
Ao setimo trião, ao Austro ingente ,
Ao berço Eóo, à plaga do Occidente ,
Verte igualmente o pranto, forma o grito .

E inda a circulos novos se estendera
De Affetos immortaes fineza rara,
Em fé de quanto amára o que perdéra.

Não cabe enfim no mundo a dor amara:
Novos orbes suspira, nova Esféra ;
Pois se mais mundo houvera, lá chegàra .”


do Dr. João Borges de Barros
Mestre - Escola Sé da Bahia



2º SONETO


“Aquelle Augusto Rey, cuja grandeza
Nos ambitos do mundo não cabia ,
Quando a immortalidade merecia ,
Então paga o tributo a natureza .

Do orbe não bastava a redondeza
Para esféra da sua Monarchia ,
Porém hoje a hum sepulcro a Parca Impîa
Decahido o deixou de tanta Alteza :

Foy lastimosa accão, mas claro engano
Padece a Parca em mal tão fementido
Contra o nosso Monarca Lusitano :

Pois qual nos Astros sempre o Sol luzido ,
Se reproduz morrendo, o Soberano
Fica em suas acções reproduzido .”

Dr. João Borges de Barros
No Tumulo de Sua Magestade,

Os Tumulos

Daremos início ao mais importante dos poemas de Domingos Borges de Barros, feito quando da morte de seu filho, com apenas 10 anos de idade, vítima fatal de uma grave enfermidade. Este poema é a expressão de dor de um pai com a prematura morte do seu filho, é um poema romântico, bastante apreciado pelos seus contemporâneos.
Mereceu este poema a apreciação do Dr. A. J. de Mello Moraes que, o motivou a editar a poesia em sua 2a. edição na Bahia em 1850, através da tipografia Carlos Poggeti em um pequeno livro de 40 págs., merecendo também o prefácio, conforme abaixo :

"O poema que sob o título - Os Tumulos, publico eu hoje, é uma das mais belas producções literarias, que temos n’ este genero, do EXMO.SR. Domingos Borges de Barros, Visconde da Pedra Branca".
Estudava eu as humanidades, quando ás mãos me vierão os dous voluminhos das obras do ilustre poeta, e tanto gosto tomei, que me servirão de licção á muitos respeitos. Conhecia, que um vazio ficaria em nossa Literatura, se o nobre Visconde, deixasse incompleto o poema, que ora sahe á luz da publicidade. Correrão os tempos, e aprouve a Deos, que interesses communs ( As Irmãs de Caridade ) ligassem-me ao exímio poeta, e quando havia ganho o favor de sua amizade, pedi-lhe instantemente o resto do Poema, á completar o que se havia impresso. Minha exigência foi acolhida, e teve despacho o meu desejo, quando mal eu esperava.
Em dias de moléstia recebi tão grato presente, e na verdade nada veio tão oportuno á suavizar as dores, que a lição edificante e saudável, que me forneceu o poema Os Tumulos.
O ilustre Visconde, o amavel cantor das virtudes da mulher, queria que as dores de seu sensivel peito, não se avivassem mais ; queria que, de sua lira de oiro, os sons Divinos não lhe arrancassem do coração as justas saudades de seu perdido filho, do seu amor, ou mais ainda, do seu esperançoso futuro; porém que ! se de um lado isto queria o coração, a patria exigia o sacrificio da dôr _ dôr e sacrificios se experimenta e se fazem, pelo Amor e pela Patria.
Amor e Patria é o tudo de um homem.



Dr. Mello Moraes




Os Tumulos (1)
CANTO I


Longe risonhos engraçados sítios ,
Frescos ribeiros, auras perfumadas .
Esfriou nos meus labios o sorrizo ,
Nos meus olhos as lagrimas secárão .
Foi-se até de chorar triste consolo .
Gravosa ideá o espirito acobarda ,
Quebra-me as forças; já não vivo, existo ;
No futuro morri, morrendo o filho .(2)

É mansão minha o olvido, que vingado
Via em virtudes, que no filho abrião .
Meiga filinha, virtuosa esposa ,
Orfans comigo, iguaes na desventura
Vinde um adeus dizer ao irmão, ao filho.
Á noite cede o sol a etherea via ;
Longe de vãos prazeres, vamos juntos ,
Por entre sepulturas vagueando .
Amargoso consolo vem, saudade !

Palida fria luz derrama, ó Phefe !
Sentidas queixas, triste gorgeando ,
Desate suspirosa Philomena .
Mirtos, ornai amantes venturosos ,
Em torno de mim Cipreste mil negregem .

Um alheio e misero consola ,
Ninguem um ai me dá, ninguem me escuta!...
E compaixão procuro?... anhelo a morte :
A morte é o refrigerio dea desgraça ,(3)
É para o justo a noite d’um bom dia ,
A morte espanta só quando pensada ,
A morte é nada, a eternidade é tudo .

Cercado estou de túmulos ... abri- vos
Reino da morte, abrigo do infurtunio !
De chimeras caducas desengano .
Erguei- vos mestas, pavorosas loizas !
Ossos mirrados, lividos despegão ,
Fetidas carnes, podres ligamentos ,
Que impuros vermes em silencio pascem ;
Ascosos restos d formosas fórmas .(4)

Eis os profundos admirados sabios ,
Os Reis altivos, grandes, e temidos !
Nem teus visos Belezza aqui estremão .
Igual poeira dão, cajado e sceptro ,
Os farrapos do pobre, ea régia purp’ra ;
Na sepultura tudo se confunde ;
Tudo assim passa, a morte acaba tudo .(5)
Da humana vida a aurora, e o ocazo tocão .
É como a luz a vida, apaga-a um sopro .
Sabemos vida ter porque sentimos ,
Vem de fóra o sentir, a vida é nada .

Após honras serpeai resteiros entes ,
Esse raio apagai que vence a morte ,
A virtude ; e depois notai os tumulos !

De inconsolavel Mãe oiço os queixumes !...(6)
Sombra querida, do querido filho !
“Meu amor, meus desvelos, nada pôde !...
“Meu Deos, tanta oração, tão puros votos ,
“Tudo baldado foi !... Mas não augmenta
“Um esp’rito Celeste a gloria tua ,
“E perdi no meu filho a gloria minha .
“Se mais era que humana a prenda amada,
“Porque o fizeste assim, para roubar-m’o ?
“Para todos tão bom, és máo comigo ?
“Que mal te fiz, meu Deos?... Porém que vejo !
“Oh ! quanta luz diviso ! vejo as fontes
“Do eterno incompreensível !... éis meu filho!...
“Filho adorado, vem, corre a meus braços !
“Olha o seio infeliz de que naceste ,
“Olha estes peitos que te derão leite ,
“Conhece aquella voz que os sons primeiros ,
“A formar te ensinou, que te chamava
“Para teus jogos ; Tua Mãe conhece :
“Dos teus primeiros gostos companheira ,
“Companheira fiel nas tuas dores .
“Quem te beijava quando ao pobre davas ,
“Quem te beijava quando o amor da patria ,
“Vinha do coração no infantil fogo .
“Quem esquecendo o alimento, somno,
“Junto ao leito da dôr constante viste ,
“Quem pela vida tua, dera a vida .

“A cada passo um nobre monumento
“Do que serias, filho, vem matar- me ;
“Ó Brasil ! Ó Bahia ! ó patria nossa !
“Chorai meu filho, que um Heróe perdeste !
“Nem o materno amor me cega : digão
“Quantos o virão, qual a nossa perda .

“Dias de angustias assim porque fugistes?
“Vinda outra vez, trazei minha esperança ,
“Trabalhos mil com ella, emvora venhão .
“Deos, ou dai- me o meu filho, ou dai- me a morte”.

D’ um pai nenhum trabalho as forças quebra ,
Quando se vê na prole continuado .
A filha move sentimentos brandos ,
O filho eleva para a gloria o brio .
O filho é outro elle, além da tumba
Vê remoçarem as fadigas suas :
Do filho no esplendor, o porvir goza .
Lá vai seu nome de láurea ornado .
O movel principal de humanos feitos ,
O amor proprio, se dilata, e farta .

Ah ! como foges mentirosa esperança !
O doirado futuro como embaça
O halito da morte ! Vãos projectos !
Já de verdade o espelho formidavel ,
Mostra o que são da terra os bens caducos .
Que mais aspira o pai, que mais deseja ?
No futuro morreu, morrendo o filho ! ...
Hymeneo que de flores coroado
Sua dita fazia, e seu tormento :
A dôr lhe dobra da consorte as dores .
Fita a querida lamentosa esposa ,
Vê do filho as feições, não vê seu filho .

Alli brincava, aqui lia comigo ;
Este desenho é seu, eis sua letra !
Cobrem a meza insulsas iguarias .
Junto a mim se sentava ... Onde! Onde!
Ai ! como do consorcio o tecto amado ,
Cobrindo o casto amor, afflige agora !
Ai ! quanto fujo de mirar a esposa !
Leio em seus olhos o que n’alma sinto ,
E sei que os meus lhe estão dizendo o mesmo.

Nem eu nem ella pronunciar ousamos .
Partem do peito os ais, dos olhos pranto.
São ambos desditosos, mais se querem ,
E porque muito amão, temem-se ambos ;
A saudade os separa, amor os chama .

Tu meu tesouro, filha suspirada , (7)
Da vida alento, que tremendo adoro ;
Que trancendes no esp’rito tanto a idade ,
Qual teu irmão, precoce ! ... vai-te idéa ! ...
Como no frio, no forçado rizo
Com que para alegrar-me, o mal disfarças
Minha alma punges, com doçura amarga !
Constranjo o rosto á desmentir o peito .
Esse terno cuidado que desvia ,
De nossos olhos, do irmão perdido
Os moveis favoritos, os brinquedos ,
A custosa attenção com que o não chamas?
Teu doce agrado me envenena a vida .
Oh ! alma, de minha alma, ó minha filha ,
Vem a meus braços, vem, chora comigo ;
Não temas do irmão dizer o nome ;
Eia, de pranto nossa dôr fartemos .
Ainda a vida em flor, innocentinha ,
Ignoras o prazer, e a dôr conheces ?
Ahi a tens, guardai -a, ó Providencia !
Porque sem ella supportára a vida ?
A filha existe ... a vida te agradeço ;
Agradeço o seu mal, é bem da filha .(8)
Sacrificios humanos não te bastão ?
Sacrificio ahi tens com que não posso ,
Ahi tens meu filho morto : tenra planta
Longe do clima seu, medrar não pôde .
Patria, longe de ti, por ti soffria ,
Balança o amor da Patria, o amor paterno :
Que mais querem de mim ? mais sofrer posso !
Quebradas forças, animo abatido
Qual meu vigor te dei, dar-te-hei o resto :
Com que ufania te legava o filho !
Ó quanta n’ elle tu perdeste gloria ?
Ouve-lhe a voz extrema, a extremos votos ;
Elles quebrárão juntos do meu peito .
“Vinde a mim, caros paes, nada de pranto ,
“Pouco tenho de vida, ó paes ! beija-me ...

“Minha irmã onde esta ? quero abraça-la
“Pois que ao Brasil servir me não foi dado ,
“Ao menos saiba que por elle morro .
“O que o Brasil me deu, o Brasil tenha ;
“Não, não deixem meu corpo em terra estranha ,
“Entregue-me ao Brasil ... ultima graça ...
“Eu fui bom filho. Adeos !” e um ai ! meu filho !
Sombra adorada, assim o Heróe, o justo
No fim de longa vida o mundo admira .
Pia resignação, corage heroica ,
Serenidade sempre inabalavel
No soffrimento, e mesmo até desprezo .
Assim que de affeição via os indicios ,
Voava outrem não soffresse, impunha as dores ;
Com suas proprias mãos curava as chagas !
As bemfazejas mãos qu’inda estou vendo
Erguida para o céo, a Deos orando .
Inda me sôa n’alma a voz quebrada ,
“E baldado pedir, o céo me chama “.
Inda o que disse seu retrato vendo :
“Perdeis o original, guardais a copia”
Inda ... e é religião soffrer ? ... não posso .
Quanta vez os gemidos suffocando ,
Sobre o chagado corpo quantas vezes ,
O meu corpo estreitando, a mão convulsa
Desffalecida já, secou meu pranto ;
E com frio sorriso procurava
Um consolo me dar, forçando a angustia ?
Com a patria sonhava : e quando a febre
Abalava, pungia o assento d’alma ,
Era para exaltar o amor da patria ,
A saudade dos seus, o amor paterno .
Se ao Brasil não servio, morreu por elle .
Nem ao menos ó céo ! lhe deste o gosto ,
De ver, morrendo, a patria libertada !
Da Divindade arcano impenetravel ,
Inda na infancia, e já virtude tanta ! ...
Tinha dez annos ! ... Religião, conforto .

Sagrada habitação d’alma celeste
Lamentoso penhor, tristes reliquias !
Não, não sereis entregue á terra estranha.(9)
Vivo comnosco tu perigrinaste ,
Morto acompanharás nossos errores .

Ó tu que encerras, urna respeitosa ,
O puro coração do infante puro ,
Para tanta virtude estreito stadio :
Aquelle coração tão compassivo
Tão bom, tão Santo, além da idade sua ...
Urna que encerras da bondade o templo ,
Do desditoso pai te banhe o pranto .
Dá que te abrace em quanto aalma ao corpo .
“A seus pais, e ao Brasil” doce verdade ,
Que me lascera o peito ai ! ... já não sente ,
Immovel, frio ! ... nunca mais teu rizo ! ...
Tua voz nunca mais ? oh ! filho ! filho !
O halito de Deos, alma Divina ,
Á Deos voltou, no mundo não cabia .



Comentários de Mello Moraes a respeito da ( PARTE I ) do poema” Os Túmulos “.


( 1 ) - O que é um túmulo ? Sobre a terra não há cousa tão solemne ! , é uma expressão que não mente, que exprime em um só vocábulo, a creação e a eternidade ; o nascimento e a morte ; o princípio e o fim; as glórias transitórias e chiméricas do mundo, e o silencio sem fim ! um túmulo, é o desengano da vida, é a verdade eterna, que se levanta contra o orgulho do homem ; é a expressão sublime da grandeza do Eterno ! Oh ! como é solemne a vista de um túmulo! como a verdade alli se mostra, sem atavios nenhums ! E o que exprime mais descanço derradeiro da vida ? O nada do homem? ...
Homem o que és sobre a terra ? Que doteu orgulho, de tua vaidade ; onde estão tuas paixões, teu querer, tuas ações, o teu poder ? para que te serviu teu oiro ? Onde está tua espada, teu diadema, teu sceptro ? O que és sem religião .

A morte, é igual para todos ; quer seja Rei, quer plebeu ; quer rico, quer mendigo ; ella é a niveladora dos homens, é não tornar mais ! Expressão de desengano és tu o túmulo ! Sobre ti, só tem poder o Eterno; nada é capaz de dorar -te ? A somma de benefícios que se praticou, em summa, a caridade.

( 2 ) - Principia o poeta, este lindissimo e philosophico Poema, possuido dos mais tristes e lamentáveis sentimentos d’ alma, por ver que de encontro á lage do sepulchro, o seu amor, o seu mais risonho futuro, foi bater a eternidade .
Um filho, é o tudo de um pai extremoso, nelle encherga o seu porvir glorioso, e considera-se reproduzido á viver no futuro . Quando estas idéas alimentavão a existencia paterna, e cuidava o pai, seguro em seu futuro, a morte frusta-lhe a esperança e, sem mais conforto falla do intimo d’ alma .
Gravosa idéa o espirito acobarda, Quebra-me as forças ; já não vivo, existo ; no futuro morri, morrendo o filho .

( 3 ) - É no infortunio que bem se sabe apreciar o poder de Deos ; _ é alli que se conhece o nada das cousas deste mundo ; e que se conhece, que tudo creado por Deos tem um valor sem conta . A morte, que parece ser a ultima das graças que experimenta o homem, no infortunio ella é ás vezes o mais desejado bem : Tudo tem o seu dia de utilidade ! até a própria morte ! Egezias ( o philosopho ) entre as materias sobre que lecionava, era demonstrar á seus discipulos a vantagem da morte, e os males da vida, isto é, pregava ser mais feliz o homem que morria, que o que sobrevivia no infortunio _ Quereis exemplo vo -lo dá no infortunio um Napoleão em seu degredo, e outros, memorados pela historia .

(4-) - A philosophia, que em todo este poema aparece ligada com os mais tristes e melancolicos sentimentos d’ alma realça tanto e com tamanha expressão, que direito e sem preambulo se encaminha ao coração a abater-lhe o orgulho vaidoso . _ Como é, sublime e edificante a lição conciza d’ estes quatro versos ! Quantas verdades não incerrarão . Depois da morte nada é mais o homem, que podridão e misérias.

Ossos mirrados, lívidos despegão
Fétidas carnes, podres ligamentos ,
Que impuros vermes em silencio pascem ,
Ascosos restos de formosas fórmas . ­

( 5 ) - Estes versos podem ser uma imitação, ou versão livre e mui galante dos versos de Horácio:

( 6 ) - Não satisfeito de suas dores, o poeta no arfar dos sentimentos faz fallar o coração materno ( a Exma. Snra. Viscondessa da Pedra Branca D. Maria do Carmo Gouvêia Portugal ) na vehemencia da afflição e da dor, pedindo á Providencia a restituição de seu filho ! E tem razão : As vezes Deos attende as preces sinceras e ingenuas do coração materno .

( 7 ) - A Exma. Snra. Viscondessa de Barral .

( 8 ) - Apezar da dor profundissima e acerba do coração, vemo-lo aqui resignado e cheio de religião levantar os olhos humildes do pranto á Divina Providencia, possuído de gratidão a entregar -lhe a sua jóia mais querida . A poesia christã rica de sentimentos grandiosos e sublimes ao passo que deleita, conforta o espírito no infurtunio, e edifica-o na esperança de melhor vida .

( 9 ) - Domingos Borges de Barros filho, morreu em Paris, no dia 05 de Fevereiro de 1825 com 10 annos de idade ; alli foi embalsamado e transferido para a Villa de S. Francisco, e depois para a Capella do Engenho São Pedro, onde actualmente jaz .

*Autor das pesquisas:. Os restos mortais de Domingos Borges de Barros Filho, encontra-se atualmente no mausoléu dos "Borges de Barros" situado no Campo Santo em Salvador-Ba, junto aos restos mortais do seu pai Domingos Borges de Barros.

obs:. Procurei conservar integralmente a ortografia original de todas as obras transcritas nesse trabalho.

Nota: Falta o 2ª Canto do poema "Os Tumulos"

Diversas Poesias de Domingos Borges de Barros

Coletâneas de Diversos poemas de autoria do Visconde da Pedra Branca, Domingos Borges de Barros



A Noite
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Tu dos amantes silenciosa amiga ,
Que d’amor os misterios apadrinhas ,
Mais doces , quam dificeis .

Tu de quem o silencio favorece
Meditações profundas ; que do sábio
Hes o tempo querido .

Engrossa as trevas, enegrece as ondas ,
Noite, outr’ora de risos companheira ,
Sé hoje de suspiros .

Teu manto de brilhantes semeado ,
Que me aprazia contemplar outr’ora
Em pensativo arroubo ;

Do teu astro essa luz tão maviosa ,
Que aos meus os olhos do meu bem mostrava ,
Mais do que’la suaves .

Os fagueiros melindres, os carinhos ,
Mais brandos que de zefiro o bafejo
Que te adoça no estio .

Prazeres e tão vivos, e tão varios ,
Quaes em cores os circulos que cingem
De Cinthia a redondeza ;

Favores que avarento cala o peito ,
qual o silencio teu então calava ,
D’eles só testemunha ;

Ah ! não me lembres , não , mudem -se ó Noite ,
Doces momentos em tristonhas horas ,
Em lagrimas os risos .

Ó despotas d’amor divinos olhos ,
Lingua do coração, sim , eu te amo ,
Diceste antes que os labios .

Como d’amor pintaveis os enlevos ,
Extasis que sem vós dentro no peito
Abafados ficarão ?

Augmenta - se o prazer , prazeres dando ;
E vós da amada delatando os gozos
Juntaes ao nosso os d’ela .

Mais o pejo esconder procura os gostos ,
Mais indiscretos sois , doces traidores
D’amorosos segredos .

Em languidos requebros quando .... Oh ! longe ,
Longe moles lembranças , que enfraquecem
O peito nos perigos .

Ancioso pela Patria, a Patria busco :
Quaes d’ela são meu braço, e a vida, sejão
Meus pensamentos todos .

Ó noite, manda favoráveis auras
Que o espaço encurtem: Ah ! já são mui longos
Tão miseros errores .


Poema escrito no mar em 1810, indo de França para New - York .





A Meu Pai.



Ode




Improvisada ao fugir da França em 1810




Dos pulsos as cadeias de desatão!
Da tirania as velhas portas se abrem!
Quem he que pode tanto?


A patria, o pai, amigos, os parentes
Posso tornar a ver ? Deos piedoso,
Graças, Senhor, ah! graças!


Sim, n' essas roupas que dão mate á neve,
N' essa risonha face, reconheço
A meiga liberdade.


Não, não deliro, ó anjo bemfazejo!
Lé no meu coração, aceita as graças
Que devoto te envia.


Rasgado o negro véu com que o futuro
Os dias me enlutava : eis as cores
Do Iris bonançoso.


A mente livre já tem força nova,
De sobre o coração, cahe dos pezares
O enorme pesadelo.


Posso inda ser feliz! á patria posso
Dar os trabalhos meus, ao pai desvelos,
Amizade aos amigos!


Que! vou ver os lugares onde infante
Brincava, o teto patrio, os patrios ares,
As arvores, os campos ?...


Ó pai querido, posso da velhice,
De filho, e amigo dando-vos cuidados
Aligeirar estragos?


Do coração o jubilo transborda!
De gosto doces lagrimas afastão,
Dos olhos tristes lagrimas.


Sente-se, e não se dis o que ora sinto!
Lira, tu não tens sons com que descantes
D' alma enlevos tão belos.





A Saudade





Ode


Tu que n’auzencia privações disfarças ,
Na enganoza atração levando amente
Aos sítios da ventura ,

Que minoras o mal , nos ais que exhalas,
E sabes dár ás lagrimas que vertes
Agradação do gozo .

Vem querida Saudade , espelho fido ,
Em que amor ante os olhos da lembrança
O bem passado oferece .

O venturosa lua que os lugares
Vás de meus gostos ver, este suspiro
Toma , e n’eles derrama .

Dize - lhes onde estou ; que só me deixas
Por tristes companheiras, noite , vagas ,
E o desabrido noto .

Vai , dos formosos lumes de Marília ,
O sono pouco a pouco desprendendo ,
E languidos abrindo ,

Vai , e n’esse momento preguiçozo ,
Em que os requebros do celeste corpo
Vires, mal acordado ,

Dize - lhe docemente, porem n’esse
mudo falar que os labios não conhecem ,
Que os olhos só compreendem ,

Dize - lhe ! ... a tirania com que matas
He mui doce ó saudade ! basta, vai -te ,
Se me não deixas , morro .

Ó d’auzencia cruel querida amiga !
Tão vivas recordar gratas memorias
Bem he, peior que o mal .

He dar amargo fel em taça de oiro ;
Dobra o mal do infeliz do bem o aspecto ,
Basta , não mais saudade .


Indo de França para os Estados - Unidos d’America em 1810.






Ao Chegar à Bahia





1811


Salve ó berço onde vi a luz primeira !
Rizonhos montes, deleitosos ares !
Eu te saúdo ó Pátria !

Como no peito o coração festeja !
Todo me sinto outro: são delícias
Quando em torno a mim vejo

Tem outro ar o céu, outro estas árvores !
Por onde adeja zéfiro embalsama ! ...
Dá te beije ó terra !

Deste que só tu dás prazer, teres lustro,
Privado qual proscrito arrasto a vida
Em forçado errores .

Oh ! quanto da ventura o ledo aspecto
Das passadas desgraças a lembrança
Nos apresenta viva !

Não houvera prazer se a dor não fora ;
Perene fácil gozo, toma aa essência
Da fria indiferença .

Aqui foi que eu nasci, devo a existência ,
Devo tudo o que sou a ti ó Pátria !
Eis - me: é teu quanto valho .

É nos trabalhos que no peito ferve
O nobre patriotismo, o braço, o sangue .
Aqui te entrego , ó Pátria !


( Florilégio da poesia brasileira ) Tomo III - Madri 1853 pag. 181 .
Gabinete Português de Leitura.



A Melancolia .





Ode


Chame embora prazer a mente stulta
O enfadonho motin das sociedades ,
Imagine gozar quando se aturde
Na importuna alegria .

O perfeito prazer mais que do gozo
Deixa á pós si delicia duradoira ,
Que longo tempo a mente saboréa :
No gozo a d’ele expira .

Em quanto da ilusão se nutre o vulgo
Oh ! como he doce junto á clara fonte ,
No verde manto do Salgueiro envolto ,
E Marilia na idea ,

Ver a macia luz que Cinthia espalha ,
O bafejo sentir com que Favonio ,
Do bosque silencioso agita as folhas ,
Convidando os suspiros !

Se um barco alveja então sulcando as aguas ,
E se vai pouco a pouco separando ,
Do apartamento imagens que desperta ,
Poem no quadro a Saudade .

Mimosa companheira da ternura ,
Do mal ao bem passagem feiticira ,
Suave agitação , em qu’alma goza
Sem esse afan do jubilo .

Prazer que tens de dór feições mui fracas ,
A tristeza te apraz , os ais te agradão ,
São gostozas as lagrimas com tigo ,
Doce Melancolia .

Só delicado espirito aprecia
A delicia que dás , tu não te mostras
A escura multidão de humanos rudes ,
E vulgares amantes .

Mais queres do que amigo, terna amiga ,
No coração de quem meiga te entornes,
Mais delicada , melhor sabe a lingoa
Que dilata as delicias .

As tuas misturar sabe uma lagrima ,
Que filtra ao coração : da frauta sente
Os maviosos sons , que suspiravão
Metastassio , e Tibulo .

Suave Lilia assim passei com tigo ,
Quando depositava no teu peito
Uma vez os desdens , outra as meiguices
Que Marilia me dava .

Sempre que te busquei , consolo tive ,
Contando - te meus gostos duplicavão,
Eas mogoas repartindo , nos carinhos
Minoradas sentia .

Em pranto beijo os maviosos versos ,
Que fino tacto , e as graças te dictarão ;
Do espirito a polidez , d’alma a candura
N’eles saudoso admiro .

Porque fora dos máos , os bons unidos
Qual nos Elisios , cá , viver não podem ?
Porque he forçozo , ó Lilia , que dos mares
O espasso nos separe ?

Arte divina que a distancia ilude ,
A escrita , ó Lilia, supra - nos as vozes ,
Sempre , sempre de ti , dos teus me fala ,
E as vezes de Marilia .


No mar indo do Rio de Janeiro para a Bahia 1813 .



A Gratidão




Ode

Para fazer o bem ternura basta ,
O dó despertão do infortunio as queixas ,
Ao bem fazer nos leva oculta força ,
Que a disgraça acompanha .

Tal prazer se experimenta o bem fazendo ,
Que he fazer o mal a si privar - se d’ele ;
Longe dos homens coração de ferro ,
Se o que digo não sentes !

E nem da ingratidão, para disfarce
Do gelado egoismo , armar-te busques ;
Não fora tão gostosa a humanidade ,
Se os ingratos não fossem .

Melhor que o bem fazer so tu conheço
Ó nobre Gratidão ! Se hes menos doce ,
Do beimfeitor o aspecto olhar sem pejo ,
Tem do sublime assomos .

Fas superior a outro o beneficio ,
A idéa de inferior fere a philaucia ,
Exaspera o equilibrio mal guardado ,
Da balança da sorte .

Ensovalha o favor se vem do orgulho ,
Abafa a gratidão ; se vem do honesto
Delicadeza o enfeita , alegra , e perde
Do favor o ressabio .

O pobre não coteja os seus farrapos
Có brocado do rico se o merece ,
Da bem fazeja mão a esmola aceita ,
Qual dom da divindade .

He tão belo em segredo ornar de pranto
O beneficio , quanto ao que o recebe
Co a voz da gratidão alto dize - lo ,
Assim ambos se honrão .

No mar em 1813 .







A Virtude





Ode

O homem co’a invensão supera o bruto ,
O impulso das paixões co a razão doma ,
Amor o faz humano, a honra probo ,
Ornalhe a mente o estudo .

Mas no olvido dos seculos a morte
Tudo some , se vós porção do Eterno ,
Vós qu’ao Eterno semelhaes o homem ,
Não lhe endeuzaes o espirito .

Da omnipotencia a Mão sinto elevar -me ,
Fora me julgo da fraqueza humana ,
Quando falas virtude ; e ao mesmo Eterno
Cuido tocar de perto .

Se a força ao cadafalso o justo arrastra ,
Cahe das mãos do juiz das leis a espada ,
Córa a injustiça , treme a tirania ,
E ant’ele réos parecem .

O perigo, a mizeria ant’ele embora
A enorme catadura açanhe , afeie ,
Baqueie o mundo embora, entre as ruinas
Sereno altea a frente .

A seu mal impassivel, terno ao d’outrem
Não goza se outro sofre, a dór espreita
E os bens que fás com lagrimas ornando ,
Nunca insulta o infortunio .

De - rojo, quando vil serpeja o crime ,
Brilha, qual resplendor de luz celeste ,
Na eterea região o espr’ito a deja
A tudo sóbranceiro .

O que ao vulgo deslumbra desdenhando ,
Da Fortuna ouro - pel, n’adversidade
De fingidos amigos não espanta
O refalsado rosto .

Sem ti nobres paixões se tornão vicios ,
He concluio a amizade, amor licencia :
Grasna o remorso se emudece o crime
No peito do perverso .

Na vida o máo do bem goza arremedos ,
Na morte os crimes em tropel o esmagão ;
Todo he remorso então : có a morte o justo
Melhor vida recebe .

He da vida no termo, he na disgraça
Que desfeitos do enganos os vãos fantasmas ,
Chorando os devaneios, porem tarde ,
Pela virtude exclama .


Indo do Rio de Janeiro para a Bahia em 1813 .


A Amizade








Ode


Suave inclinação d’alma sensivel
Do sabio apreciada , e mais querida
Do homem virtuoso .

Tu que do amigo ao lado o gosto augmentas
E a poucas o pezar : mimo do Olimpo
Carinhosa Amizade ,

Do puro coração deleite, e vida ,
Irman d’Amor; sem venda, sem archote
Sem agro de ciume .

Mais do que amigo, só conheço amiga :
De seu sexo meiguices privativas
A Amizade requintão .

O amigo he outro eu, no amigo existo
E olaço encantador que as almas prende ,
Es tu nobre Amizade .

Na Amizade o favor desaparece
São gostozo dever os sacrificios
Tudo merece o amigo .

Para salvar o amigo o pr’igo esquece ,
A sanha da disgraça afronta, e a morte
O animo sublime .


Indo do Rio de Janeiro para a Bahia, no mar 1813 .





ODE









Recitada a 12 de outubro de 1823 .

No incauto povo os crimes embebia
Por labios embusteiros enfeitados ,
Maculando a fagueira Liberdade
Demagogia astuta .

As mimosas feições , as lindas formas ,
Do viçozo Brasil, já se afeavão ,
Sob as sanguentas garras com que ancioza
A Anarchia o empolgava .

As Maens choravão já , tremia o espozo ,
Os degraos do patibulo a Virtude
Contava já, e aos urros da revolta
Jubilava o perverso .

Lá cahe o Imperio de aluîdas bases! ...
No ameno Vale, na floresta virgem ,
Lá se estende o ribombo surdo, e rouco
Do mugido do crime .

Rasgado o coração ! ... ai ! Pedro ! Pedro !
Morre , se tardas, o Brazil, acude !
Defende - lo juraste, o voto cumpre ,
Se não, aos ceos insultas .

Onde os punhaes ? e o halito empestado ,
Que em negra nuvem sobre nós pezava ?
Eis o céo azulado, o ár suave
Que dá vida ás delicias .

Salve ! querido Brazileiro dia ? ...
Tu, que em dote ao Brazil seu Pedro deste ,
No circulo dos Evos perguiçozo
Volve, puro, e risonho .

( Este poema está no II tomo das “ Poesias “ ) .






Prosa Póstuma


"Trovas do outro Mundo" Obra psicografada pelo médium Francisco Cândido Xavier no ano de 1968, participação de Diversos Espíritos.



Trovas
Domingos Borges de Barros


A vida na Terra é um drama,
Cujo entrecho não deslindo:
Os que nascem vão entrando,
Os que morrem vão saindo.

Além da velha morada
De pedra, cinza e cipreste,
A morte diz o que foste,
Diz a vida o que fizeste.

Neste mundo, muita gente,
Buscando o que julga seu,
Faz-se o túmulo vivente
Dos sonhos de quem morreu.

Meu corpo – antiga tapera –
O tempo levou ao fim,
Mas meu sonho – a primavera –
Prossegue dentro de mim.

No Além a saudade mora,
Mas a que atinge os extremos
É a saudade dolorosa
Das saudades que tivemos

Cartas do Imperador para a Condessa de Barral

“ Os anos passam , a política muda, as dores arrefecem, mas depois de tanto tempo é inalterável a amizade dos Imperadores com a Condessa de Barral. Eis uma carta do Imperador naquela sorte de amizade- amorosa, que deu o nosso ilustre amigo Raimundo Magalhães Júnior a convicção de um amor real e de uma união em longo período de adultério; assim escreve num dia de março de 1884, D. Pedro II à amiga. ”


“Condessa que boa carta é a sua de 24 do passado ! Você ainda não imagina quanto me aflige não demonstrar-lhe ainda mais quanto lhe quero e por isso agradece-me o telegrama pelo dia 17. Querer como lhe quero é muito bom; porém sofre-se muito na ausência sobretudo na minha posição. Você sabe que não sou inclinado a contar destas histórias que muitas vezes nem mesmo sei pois não procuro que m’as refiram.

“Na nossa idade creio que não devemos senão saborear a amizade de mais de 30 anos”

- Comentário e Carta pesquisada no livro ( Cartas a suas majestades ).



Rio 24 de dezembro de 1884


Condessa


Respondo a sua carta de 19 do passado. Que boa é ela ! As saudades aumentaram. Não imagina a falta que você me faz.
Nada de maior. As eleições têm me entristecido. Veremos a Câmara que vem. Há de dar que fazer. Não desanimo, e felizmente ainda posso trabalhar bem. Os incômodos quase que desapareceram.
Os viajantes têm ido muito bem.
Amanhã já durmo em Petrópolis. Que calor aqui e que roda-viva !
A Argemirinha e o marido lá vão a 25 - Amanhã - para Sta. Catarina.
Muito me afligiu a morte de D. Rosa. Ainda me lembro dela.
Peço-lhe que dê pêsames em meu nome a Mme. de Villers.
Tenho ainda muito que fazer. Adeus ! Brevemente escreverei como desejo. Meu abraço a nosso caro rapaz. Muitas lembranças à Mãezinha; beijinhos ao Joquinha e para você tudo de


Seu de sempre

P
Petrópolis - que saudades! - 30 de Dezembro de 1884


Condessa


Recebi ontem seus escritos sem data. [parece com nossa amizade] Apesar de você supor que eu estava de humor bem sabe que com você jamais [nem tanto] brigo deveras. Digo-lhe somente tudo o que penso.[até um certo ponto. Há 2 modos de pensar en dehors et en dedans-]
Estes dias daqui já me tem feito muito bem ao físico. Tem chovido quase sempre de tarde; mas ainda não deixei de sair segundo o custume.
Os Amelots estiveram hoje cá.[como vai Rosalie da pele?] Tereza Drummond ainda não veio visitar-se aqui.[V. M. ainda não me falou nela]
A pobre Mme. Sandford parte a 9 para a Inglaterra.Parece que ficou mal de furtuna.[Coitada]
As notícias de meus filhos e netinhos são excelentes. Faze-me ......
muita falta.[-Naturalmente ......]
Quantas vezes tenho ...... Hotel Orleáns, e o ...... varanda, não falando da casa perto do portão - lembra-se ainda do nome do porteiro, e ouve o toque do sino? [ora se me lembro do Sr. Rosário! estou ouvindo o Sino! ... Le Cantique des Cantiques!! -]
Comecei minhas leituras prediletas, mas por doença do Henning a quem dão agora erisipelas nos pés não continuo os meus estudos com eles.[o Bispo de Orléans dizia j’ai eu 7 Secrétaires tués sous moi, V.M. vai matando muitos mestres] Não há mais Schreiner [ E esse o que é feito dele?] para o Árabe. Enfim que diferença de Petrópolis dos bons tempos!
Depois de amanhã por ser dia santo não há trem pela manhã para a cidade e por isso dou-lhe desde já bons anos como lh’os pode desejar quem tanto e tanto lhe quer. Transmita-os também com meu abraço a nosso caro rapaz e receba-os também a mãezinha, e ....... muitas festinhas o Jojoca [todos lhe beijam a mão.] ...... a parte ...... de estar lá pelo pensamento.Tome o abraço de sempre do


Seu

P


Petrópolis 14 de janeiro de 1885

Condessa

Respondo a sua carta de 18 do passado.
Sabe como as recebo sempre.
Se não lhe escrevo por todos os vapores, é porque às vezes com o que tenho que fazer não sei da partida do vapor.
Logo que Itajubá telegrafou a notícia de cólera como epidemia, e não esporádico ou cólera - nostro que se tomaram as medidas aconselhadas pelo inspetor da saúde do porto; professor da Escola de Medicina muito inteligente. Já expliquei o motivo do fechamento dos portos. Há muito que eu mesmo falei na necessidade de lazareto, para qualquer caso futuro; mas seria quase impossível obter das Câmaras o dinheiro precioso; pois que epidemia vinda do além do oceano so a tivemos a mais de 20 anos.
Mais do que em lazaretos creio na boa higiene das povoações.
Minha perna esta quase pronta e poupo-a o que é preciso. A estada aqui tem me feito muito bem à saúde em geral.
Minha vida é o que sabe e que saudades de lá colho eu em tantas partes !
Quem me dera estar também na Grande Garenne; mas você sabe bem porque. Cada vez lembro mais de nossos bons tempos.
Nada nenhuma novidade de aqui. Parece-me estar tudo calmo em relação ao ano passado. Já lhe disse que estava aqui a Ministra da Rússia Montenegrina - não da Herzegovina. Tem ar modesto e creio ser muito boa senhora.
O Ledchine retira-se amanhã para a Europa. Parece-me levar saudades daqui.
A Tereza Drumond passou num bonito carrinho, e encontrei-a esta manhã com Mme. Amelot.
Ontem choveu a valer quase todo o dia, e estouraram, sofríveis trovões. Quando cai aqui às gamelas parece-me que se abre a porta de vidraça do saguão, a você me aparece com seu ruge-ruge antes de vê-la.
Tenho lido e estudado bastante, e sem cansar-me. Carecia desta vida tranqüila.
Adeus ! Meu abraço a nosso caro rapaz. Muitas lembranças à Mãezinha, beijoca ao jojoca e para você tudo o que lhe dá nossa amizade.
Você pensará em mim como eu em você. Adeus !
Seu de sempre

P


Petrópolis 7 de Janeiro de 1886 [1887]


Condessa

Recebi hoje sua carta de 14 de Dezembro. A partida de meus filhos e netinhos foi-me muito dolorosa.
As saúdes são boas.
Meto a mão na consciência e assevero-lhe que é calúnia o que disseram de cartas suas mostradas e do mais [ pois disseram e muito mais.]
Você sabe como penso a respeito da educação dos Jesuítas [ eu a acho excelente ]
Reprovei que as prisões publicas servissem para guardar escravos e disse que competia aos senhores providenciar para que eles não fugissem e aplicar-lhe os castigos que as leis permitem.
Agora já foi abolida a pena de açoites. [ Mas cada proprietário castiga at home ]
Nada perguntei sobre o mistério da encarnação. Apenas notei o erro ou falta de clareza do livro de doutrina adotado que dizia que Jesus Cristo fora concebido do espírito Santo quando tinha sido a Virgem Maria por obra e graça do Espírito Santo. Sempre sustentei a necessidade nas escolas do Brasil do ensino religioso. Agradeço-lhe perguntar-me tudo isto, embora você decerto não acredita em tudo [ Não em tudo mas em muitas coisas sim ] o que lá lhe chega ou se inventa a meu respeito. [ Não há fumaça sem fogo ]
A Amelot ia morrendo de uma queda de cavalo. [ Estou sentidíssima ] . Ia só . [ que imprudência ! ] O cavalo empinando-se e recuando caiu num buraco em cujo fundo ficou ela felizmente, não sofrendo assim todo o peso do cavalo que só levantaram de sobre passados alguns minutos. [ Que horror ! ] Quebrou o colo do fêmur; [ pobrezinha ] mas fora da cápsula. [ Não sei onde é essa cápsula ] - Não tem tido febre e o estado geral é bom [ Deus seja louvado ] já se lhe aplicou um aparelho provisório. Sucedeu isto na manhã de 4 .
Brevemente lhe escreverei de novo.
Adeus ! Meu abraço a nosso caro rapaz. Muitas lembranças a Mãezinha, festinhas ao Jojoca. Queria falar-lhe só no fim da leitura da biografia de seu Pai pelo Dórea; mas você poderia tomar meu silencio por esquecimento. Muito me agradaram as duas leituras já feitas. Soube muita coisa interessante que eu ignorava da vida de seu Pai.
Adeus ainda !

Cartas da Condessa de Barral para o Imperador

Meu Senhor (1)


Não tive a ventura de receber a carta que Vossa Majestade Imperial me faz a honra de escrever por todos os vapores, (2) mas como ainda não vi os membros da comissão que vêm para a Exposição (3) ainda me acompanha a esperança que algum deles seja o bom mensageiro de Sua preciosa carta e fiada na pontual bondade de Vossa Majestade Imperial Lhe agradeço a fé que tenho na Sua grande condescendência . Desejo muito de poder dizer a Vossa Majestade Imperial que Seu Augusto Cunhado o Senhor Príncipe de Joinville (4) fica muito melhor da terrível queda de cavalo que deu correndo um Veado perto de Brighton. A queda podia ter sido fatal porque foi sobre o pescoço, mas Deus louvado não houve fratura e o pescoço está apenas ainda teso .
Seu pequeno sobrinho ( filho da Senhora Condessa de Chartres ) também ...* esperanças de ser conservado, mas Ele tem penado tanto, que vê-lo ir para o Céu será quase um bem coitadinho . (5)
Por minha casa as saúdes vão melhor e com a estação menos rigorosa conto que as melhoras do Conde (6) serão ainda mais satisfatórias.
Esperamos a estátua de V. M. com muita impaciência e estimei saber que Mr. Rochet deve expor aquela que fez do Augusto Pai de V. M.I.(7) en pendant a uma de Carlos Magno que também me parece muito bela. É grande lástima V. M. I. não poder ver essa exposição ... mas acabe-se nossa guerra (8) com glória para o Brasil que maior será ainda Seu gesto.
Meus votos acompanham os desejos de V. M. e minha família os partilha de todo coração beijam comigo Sua Augusta mão.

Condessa de Barral e de Pedra Branca (9)
[1867]

* Ilegível

Papel azul claro timbrado : coroa de conde com carimbo seco .
Quatro páginas de texto .

Arquivo Grão Pará - Petrópolis, Rio de Janeiro .


(1) Esta foi a primeira carta da Condessa de Barral ao Imperador D. Pedro II sem local e sem data, em alguns trechos as letras apagadas, ilegíveis, presumindo-se pela leitura ser do ano de 1867 .
(2) O Imperador D. Pedro II escrevia regularmente para a Condessa. Raimundo Magalhães Jr ., in D. Pedro II e a Condessa de Barral, p.97- 8, publica duas Cartas de D. Pedro à Condessa, datadas de 8 e 22 de Janeiro de 1867, servindo para identificação do assunto desta carta o que nos leva a datá-la de 1867 .
(3) Refere-se à Exposição Internacional de Paris, de 1867 . Em trecho da carta de D. Pedro, de 8 de janeiro de 1867, encontra-se alusão aos objetos brasileiros enviados e que transcreveremos : “... os objetos que vão para lá nos disseram . A coleção de 450 espécies de madeira de lei é belíssima, vai muito bem preparada e com todas as explicações. Talvez apareça também uma tora imensa de peroba para dar uma idéia palpável de nossas árvores gigantescas ... ”
Na carta de 22 de janeiro D. Pedro declara: “... Esta é para recomendar-lhe o portador, o Dr. José Saldanha da Gama um dos coadjuvantes da comissão brasileira da exposição aí . É moço de talento e dado ao estudo da botânica...”
(4) O Príncipe de Joinville, Francisco de Orléans, 3.o filho do Rei dos Franceses, Luis Felipe, casado com Dona Francisca de Bragança.
(5) Refere-se ao Príncipe de Orléans, filho dos Duques de Chartres ( a Duquesa era filha dos Príncipes de Joinville ) que faleceu na infância .
(6) Do Conde de Barral, marido da Condessa .
(7) Em 1875 o estatuário Luís Rochet propôs fundir uma redução em bronze do monumento a D. Pedro I, que fizera para a Praça da Constituição ( hoje Tiradentes ) no Rio de Janeiro. inaugurado em 1862. Ficaria o trabalho por 10 a 12 contos de réis. D. Pedro II não aceitou a proposta, por não poder então arcar com as despesas ( conforme ofício do ministro do Brasil em França, Visconde de Itajubá, ao mordomo da casa Imperial, o Barão de Nogueira da Gama , na correspondência da Mordomia com as Legações e Consulados do Brasil no exterior) .
(8) A Guerra do Paraguai .
(9) Mais tarde, a Barral sempre assinaria o seu título francês, não o brasileiro de Condessa da Pedra Branca .


29 de outubro de 1874


Senhor,

Apresento a V. M., o incluso memorial de não sei quem, pedindo também não sei o que porque padece de tarcocelle(1) moléstia de que nunca ouvi falar. Se a tal moléstia é coisa feia, corra um véu sobre o seu pudibundo rosto. (2) Escusado é pedir de ser justo e de ajudar esse infeliz calafate.-
Quero ganhar as alvísseras dizendo a VV.MM. que sua filha decidiu na Sua Sabedoria ir ao encontro de seu Augusto esposo e que arrasta atrás de si suas duas velhas - (3)
Queira, pois pôr à disposição de nossas Augustas pessoas a galeota e o trem do caminho de ferro e dar as competentes ordens. Partiremos de Petrópolis no Domingo às 2 horas da tarde, pretendemos desembarcar na fábrica das velas em S. Cristóvão.(4) Aí contamos achar um cargo à nossa espera, e mais longe paparuto(5) para confortar nossos estômagos.-
Não pernoitaremos na sua casa, iremos dormir no paço Isabel.(6)
Não levamos ninguém conosco.
Confesse que isso é uma falada chibante.
Não há por cá senão chuva, lama e saudades de Vossas Majestades.
Criada humilde e muito contente
Condessa de Barral

Não sabemos de Froufrou(7) desde esta manhã fugiu atrás de uma cachorrinha branca e preta, estou sentidíssima, antes fosse ele um híbrido sabendo metrisar(8) suas paixões ! ! ! ! !


(1) Doença não dicionarizada, na forma escrita pela Condessa. Não foi encontrada, no Arquivo da Família Imperial, a mencionada petição.
(2) Não se eximia a Condessa de fazer ao Imperador observações desse gênero, assim demonstrando o grau de intimidade de suas relações epistolares.
(3) As damas da Casa Imperial a serviço da Princesa D. Isabel, eram a Baronesa de Suruí D. Carlota Guilhermina de Lima e Silva, ea Condessa de Lajes.
(4) Da companhia Lux-Steárica, na Praia das Palmeiras, antiga dos Lázaros.
(5) Do italiano papare, comer “comidinha”, no Palácio de São Cristóvão.
(6) Como se vê, do Palácio de verão, em Petrópolis, ao de residência da Princesa Imperial, e seu marido no Rio de Janeiro, eram necessárias seis conduções: de carro até o Alto da Serra; diligência,daí a Raiz da Serra; estrada de ferro até Mauá; galeota, até a ponte da Praia das Palmeiras; novamente carros,daí ao Palácio da Quinta da Boa Vista e deste ao Palácio Isabel (Sede do Governo do Estado do Rio de Janeiro).
(7) Cãozinho de estimação.
(8) Além de usar palavras e frases francesas, em sua correspondência, chegava a Condessa a criar neologismos da mesma orígem.



15 de novembro de 1874



Beijo a mão de V.M. pela bondade que teve de me dizer que o Elpídio Borges de Barros vai ser adido aos inválidos da Bahia e como não duvido que tivesse alguma ingerência nesse negócio tanto mais agradeço ter tido dó desse meu pobre parente afilhado de meu querido pai.
Não sabia o apreço em que V. M. tem o talento do Sr. Joaquim Nabuco nem conheço esse moço bonito, mas não resta dúvida que suas poesias francesas e outras coisinhas mais revelam bom gosto. - Sei que Mariquinhas Junqueira tem estado mui doente. diga-o a Imperatriz que sem dúvida mandará saber novas dela.
Sou de V V. M M. a menor e maior amiga respeitosa que tenham.


C. de Barral


A Condessa de Barral



15 de janeiro de 1885


Ai meu pobre Imperador que nossos patrícios não lhe poupam cuidados e maçadas ? Apesar de V. M. ter vasto bojo e aparente fleugma “le diable n’y perd rien(1) e tomara mais do que nunca lá estar ao seu lado para ouvir seus desabafos e fazer-lhe às vezes esquecer a ingratidão de muitos mostrando-lhe quanto sou sua amiga sincera e obrigada -
Sei que lá se foi o Ministro de Estrangeiros (2) e que o Dantas(3) tomou a si mais essa pasta - As caricaturas dele e do Cotegipe numa balança teriam graça se não pesassem sobre coisas tão graves. Enfim Deus é grande.


(1) .... o diabo nada perde ...
(2) O Ministro dos negócios era João da Mata Machado.
(3) Conselheiro Manuel Pinto de Souza Dantas.

Grande Garenne , 30 de Janeiro de 1887


Eu nada li, V. M. está mais adiantado do que eu. Estimo que o trabalho mereça sua aprovação (1) - Eu não gosto muito do estilo do Dória - Je le trouve empoulé, mais Je n’ose rien dire.(2)
Esta sua carta veio me encontrar em San Lucar(3) gozando da presença de seus filhos e netos e da hospitalidade dos meus Duques de Montpensier tão bons e tão amáveis. Estes dias ficarão marcados na memória do meu coração - Tive também o prazer de encontrar aqui a Condessa de Paris com 4 filhos - ela parte amanhã para sua propriedade de Villamanrique(4) perto de Servilha. Nem por estar exilada ela perdeu seu humor jovial nem sua extraordinária atividade. Eu quiseraaparelhá-la com V. M. !! E que mulher inteligente - Ela lê tudo e tudo decora e está em dia com o que o diabo esqueceu. Nunca vi nada semelhante. Se eu tivesse de viver com ela ficava doida. - Tenho boas notícias de meus filhos o incômodo da Chiquinha foi passageiro.


Sua criada obrigadíssimo


C. de Barral (5)


(1) D. Pedro referiu-se no final de sua carta às notas da biografia do pai da Condessa, escrita por Franklin Américo de Menezes Dória, casado com Amanda, filha do 2o. Marquês de Paranaguá.
(2) ... eu o acho rebuscado, mas não ouso dize-lo.
(3) San Lúcar de Barrameda, cidade portuária na Província de Cadiz na Espanha.
(4) Hoje propriedade de sua neta a Princesa D. Esperanza de Bourbon de Orléans e Bragança, esposa do Príncipe Imperial brasileiro D. Pedro Gastão de Orléans e Bragança.
(5) Escrita em papel de carta de D. Pedro, datada de 07 de janeiro de 1887.



15 de abril de 1887


Não quero cansar os olhos de Vossa Majestade com minhas garatujas, mas também não quero que suponha que eu fico indiferente a sua moléstia ...(1)
Cuide-nos, cuide-nos em si, e assim cuidará naqueles que com o maior amor e a maior dedicação pedem a Deus por seu pronto e completo restabelecimento.


Em nome de minha família e no meu.



Condessa de Barral.


Cartão.
Uma página do texto.
Coleção Tobias Monteiro - Seç. Mss. - BN

(1) O Imperador desde fevereiro encontrava-se enfermo. Nessa ocasião fora diagnosticado por conferência médica ( Barão de Sabóia, Mota Maia, Albino Alvarenga ), uma congestão hepática. A infecção tomara as caracteristicas do impaludismo, alternando-se período de melhora e recaida. Como o Imperador sofria de diabetes, agravou-se a situação. Levado à fazenda Águas Claras, do Barão de Águas Claras, de nada valeu. Decidiu-se que o Imperador deveria recorrer a tratamento específico, na Europa, para lá viajando em junho.


Château de Barral

Voiron 17 de Agosto 1888

Meu Senhor
É com profunda mágoa dentro do coração que venho dar a V. M. o sentido pêsame de meus filhos e o meu pelo triste passamento de seu querido neto ! ...(1)
De que véu negro vão se cobrir os festejos projetados para a chegada de V. M.(2) e como agora mais do que nunca quisera eu fazer-lhe companhia para lhe suavisar o grande pesar ...
Seja tudo pelo amor de Deus - E quem sabe se o pobre moço não está mais feliz perto de sua mãe ?
Aceite meu querido Imperador o abraço que sem a menor cerimônia lhe dá de tão longe Sua


Velha criada obrigadíssima


Condessa de Barral


Papel tarjado de luto.
Duas páginas de texto.

(1) Príncipe D. José Fernando, filho de D. Leopoldina.
(2) Por motivo do regresso dos Imperadores, de longa viagem em que esteve doente o Imperador, quase à morte em Milão, foram preparados grandes festejos. A morte do neto, no entanto, iria empanar o brilho dessa recepção.

19 de setembro de 1888
em Voiron Isère


Meu Senhor,


Estou vendo Vossa Majestade naquela poltrona do Splendide Hotel(1) e eu entrando com meu saquinho de costura e me instalando ao seu lado para conversar e lhe ler algumas páginas do maçante Rafael que nunca acabamos, gostando apenas da conversa de porta à porta entre esses 2 tolos que não puxaram pelo ferrolho !
Agora aqui estou lendo com muito maior interesse os artigos de jornais que contam sua chegada ao Rio e se de tão longe V. M. pudesse ouvir minha voz, os meus vivas dominariam todos os outros.
Agora faça-me o favor de não abusar das forças que recobrou e deixe-se desses Sábados passados no Rio e dessas idas e vindas onde me pilhou a maldita febre paludosa !
Quando quiser fazer imprudência tenha o bom Mota Maia a seu lado e diga-lhe de resmelengar (2) de minha parte.
Aceite os humildes cumprimentos de meus filhos e os de sua

Criada obrigadíssima

C. de Barral


(1) Nesse hotel ficou D. Pedro II por muitos dias refazendo-se de recente moléstia que o atacara em Milão, quando viajava pela Itália.
(2) Repreender.


Grande Garenne 27 de Abril de 1890

Meu Senhor,

Recebi hoje um telegrama de Vossa Majestade que me foi outra vez procurar em Voiron quando eu estou na Grande Garenne.
Estimei saber que todos estavam bons e louvo a extraordinária memória de Vossa Majestade por se lembrar de Chiquinha faz anos hoje.
Seria por esse motivo que me mandou esse despacho ?(1) - Pois meu Senhor a pobre menina lá está em Paris com uma erupção por todo o corpo sem se saber ainda se é sarampo ou Roseole(2) prima carnal do sarampo porém muito mais branda.
Ela devia hoje festejar seus 24 anos, convidou amigos a jantar e outros a “passer la soirée”, e tudo deu em nada por causa da moléstia. Essa boa menina anda sempre adoentada, nunca pode fazer um projeto que não venha algum incômodo priva-la de se divertir. Se eu pudesse lhe dar minha saúde como o faria de bom grado ! - Parece que V.M. também vai se aguentando caindo e levantando cada vez mais nédio - assim, Deus o conserve por muitos anos.(3)
A primavera tem dado em droga este ano, e La Lune Rousse(4) tem nos pregado cada uma de tremer. A ventania é tal que lembra Ossian. (5)
Mas V.M. sempre gostou do sibilar do vento - Eu nem um bocadinho acho elemento muito indiscreto, leva tudo pelos ares e ainda hoje corri atrás de meu chapéu não sei quanto tempo vendo a cada instante que também lá iria minha cabeleira; e o brejeiro do Jean a rir e a mangar com a vovó. -
Ouvi dizer que os netos de V.M. foram visitar seu Pai (6) - é muito natural mas V.M. cada dia vai ficando mais só e sempre teimoso não querendo sair do seu Hotel - Isso me prova o quê ? que é sempre o mesmo, e eu a mesma confiada que tenho a ousadia de gracejar com V.M.
Beijo-lhe a mão assim mesmo com muita amizade.

C. de Barral


(1) Ligeira ironia há nesse período da missiva. Porque, poucos dias antes, havia o Imperador esquecido a passagem do 74o. aniversário da Condessa, que no mesmo dia 13 de abril a ele escreveu queixando-se.
(2) Roseole o mesmo que Rubéola, um tipo de Sarampo.
(3) A inatividade tornava D. Pedro II um tanto gordo, o que já se notava, apesar de sua elevada estatura. Já não gosava boa saúde, agravada pela solidão do exílio.
Veio a falecer a 05 de Dezembro de 1891, três dias depois de completar 66 anos de idade, em Paris.
(4) “La Lune Rousse” ( a lua Russa ) é superstição dos jardineiros e horticultores franceses, quanto à má influencia de nosso satélite no crescimento das plantas.
(5) Ossian, legendário poeta escocês do século III, de obras em 1760 imitada por James Macpherson, que alcançou grande êxito, apesar da mistificação literária, por seu caráter sombrio e nevoento, em que não faltava os vendavais.
(6) Referia-se aos Príncipes D. Pedro Augusto e D. Augusto Leopoldo de Saxe. Coburgo - Gotha e Bragança, filhos mais velhos D. Leopoldina e de D. Augusto de Saxe - Coburgo - Gotha, Duque de Saxe.


Londres, 27 de Maio de 1890


Meu Senhor


É da casa de Mrs. Maude 77 Belgrave Road, de saudosa memória, que venho agradecer a Vossa Majestade duas cartas que até hoje ficaram sem resposta por causa do reboliço em que tenho vivo há tempos para cá. -
Tive que por em ordem minha casinha da Grande Garenne antes de ir com os netinhos para Paris encontrar-me com meus filhos. Só demorei-me 4 dias nessa terrível Babilônia e de lá fugi para esta outra Babilônia a vir visitar minha querida amiga de infância que sofreu a operação de catarata e que de então para cá sempre tem estado mais ou menos doente. Encontrei-a aliás em Victoria Station à minha espera e creio que minha presença lhe tem feito muito bem. Não há nada como recordação da mocidade ! Demoro-me aqui até o último dia deste mês (sábado próximo). Volto para Paris, e seguirei breve com os netinhos para Voiron.
Lá darei fundo todo o verão e se V. M. for de palavra ... me encontrará quando quiser. Só o peço é de ser prevenida alguns dias antes, e que me diga quem o acompanha para eu ter os quartos prontos.(1)
Mrs. Maude pede que eu a ponha aos pés de V.M. e que lhe beije a mão.


Condessa de Barral

Arquivo Grão Pará - Petrópolis, Rio de Janeiro

(1) O Imperador cedera aos insistentes convites da Condessa de Barral para conceder-lhe a honra e alegria de uma estada no Castelo de Voiron. É bem conhecida a fotografia do grupo em que se vêem as Famílias Imperial e Barral reunidas, publicada por Raimundo Magalhães Jr. em seu livro D. Pedro II e a Condessa de Barral.

Cartas para o Imperador e para a Imperatriz

Para o Imperador e a Imperatriz


Fui acordada esta manhã às 5 horas por um criado batendo à minha porta às 5 horas da manhã , que mi vinha dizer que sua Alteza Imperial tinha passado a noite muito incomodada da tosse e com muita febre. Corri imediatamente para cá e poucos minutos depois estava igualmente aqui o Dr. Freire (1) que acha a Princesa com uma pequena bronquite é mais prudente que venha para cá o Valadão. - Ontem a tosse piorou de tarde mas por mais que eu instasse e dissesse que era melhor não ir à Igreja a Princesa teimou e quis ir . - Durante a lição de Botânica das 4 às 5 ela teve as mãos frias e ainda eu lhe disse que se Mamãe estivesse aqui que ela estaria de cama, mas ela disse como V V.MM. sabem que não era nada, que assim era que tratava seus defluxos etc. e às 6 horas ½ fomos às trevas. (2) Voltamos de caleche e ela não quis cear, levou ainda escrevendo a VV.MM. e parecia alegre. Parece que de noite, logo que se deitou esteve muito inquieta tossindo muito falando em leões, em Mamã etc.etc. Senhora D. Rosa abafou-a bem, tem suado duas camisas e não parece agora tão aflita com a tosse como de noite. Eu não entendo de febre mas ela não me parece ter lá muita quentura no corpo e as mãos estão em moiteur .(3)
Com o favor de Deus não será coisa de muito cuidado e rogo a VV. MM. que não se aflijam mais do que é natural.
A Princesa Lhes beija a mão e o mesmo faz a humilde criada .

18 de Abril de 1862
Condessa de Barral


Arquivo Grão Pará - Petrópolis Rio de Janeiro .


(1) Ensinava Botânica o Dr Freire Alemão .
(2) Ofício de trevas da Quarta - Feira Santa - dia 16 de Abril .
(3) Moiteur - humidité - ligeira umidade ou suor provocada pela febre .

Nota - Pelo texto não se poderia concluir tratar-se da Princesa Isabel, ou de sua irmã D. Leopoldina, mas pela carta seguinte, vê -se que era a primeira .



Petrópolis 18 de Abril [ 1862 ]

Para Suas Majestades Imperiais .


Estamos mais contentes com a chegada do Dr. Valadão que não acha febre nem nada de cuidado na Princesa . É um forte defluxo que com repouso e cama melhorará breve . Folgo muito de dar esta boa notícia a Vossas Majestades . Tinha mandado duas partes pelo telégrafo, mas infelizmente foram recambiadas por ter havido transtorno no fio elétrico. -
Com os boletins dos médicos Vossas Majestades ficarão bem ao fato do estado da Princesa que está alegre, e tem brincado todo o dia sem dormir um só instante e com sua atividade habitual, ora desenhando, ora mandando fazer saquinhos para arrumar sua venda de secos e molhados etc.etc.
A Princesinha (1) foi beijar o pé do Senhor às 5 horas - Deu lição com o Paula Cândido (2) outra de Botânica com o Freire, traduziu latim e agora vai dar lição de Inglês comigo . Ela passou bem o dia e mandam ambas saudades a Vossas Majestades. -
Mademoiselle Templier está com uma fortíssima defluxeira ela beija a mão de Vossas Majestades e o mesmo fazem D. Rosa e minhas outras companheiras, mas hoje não pôde vir por estar com inflamação de olhos . -
Tomara já ver chegar Vossas Majestades, porque como Mãe sei tudo quanto Seus corações devem ter sentido e tudo quanto o meu também tem partilhado dessa aflição .
Sou com maior respeito de Vossas Majestades Imperiais a humilde criada .
Condessa de Barral


Papel azul .
Duas páginas de texto .


Arquivo Grão Pará - Petrópolis, Rio de Janeiro .


(1) D. Leopoldina Tereza .
(2) Conselheiro e professor Dr. Francisco de Paula Cândido, médico da Imperial Câmara . Escreveu diversas obras sobre Medicina e Física .
Para o Imperador e a Imperatriz


Sim Sou eu mesma, e eu escrevendo a VV.MM. de Paris, onde vim logo que isso foi possível, porque sabe que hoje infelizmente sou ainda mais Pai do que Mãe de meu filho, e que não devia négliger a menor acasião de saber de nossos negócios. Vim, pois de Londres no Domingo 5 deste mês às 8 h. da noite com o Sr. Correia adido da Legação do Brasil (1) e figurando sobre seu passaporte de encarregado de despachos. Viagem de mar de 10 horas - Dieppe ocupada pelos Prussianos - Houve sua dificuldade em fazer compreender ao Gal. Pietriskin que era coisa diplomática. Ele dizia - che n’endend rien a la politiké allez barler au Machor Müller. (2) Este deu licença e nós partimos por um trem militar Prussiano, com todo o material Prussiano, wagons de 3.a classe, e assim chegamos a Rouen às 8 h. da noite. Lá vi o Dr. Bronn (3) com muito prazer. No dia 7 seguimos para Amiens, lá tendo saído do carro para almoçar tomaram nossos lugares, e para seguir viagem entramos num wagon de Bois e fizemos boas 2 horas de viagem sobre a palha. Em Creille pudemos comover le chauffeur de outro trem de Bois que nos tomou com ele no fourgon du frein de la Locomotive, (4) e depois de mil paradas e dificuldades , chegamos à la Chapelle St. Denis dentro das fortificações de Paris ! Foi com grande muito grande emoção. Eram 2 horas da madrugada , chuva à gamelas (5) e lama digna do Calolé de Sto. Amaro (6) - Foi mister gramar a pé até Paris onde chegamos às 3 - Dormimos num hotel porque não se podia achar quem carregasse a bagagem e París estava no escuro - Que tristeza! , que miséria ! No dia 8 disse ali adeus ao Sr. Correia cada um tomou sua direção e eu fui antes de vir à minha casa entregar todas as cartas, de que vinha encarregada. Era o famoso dia das eleições - Tudo se passou sem barulho, mas creio que o partido Democrático rouge l’emportera. (7) Nem posso contar tudo quanto tenho visto, e tudo quanto tenho feito ! parece incrível - Hoje já estamos a 11 do mês e a lista é ainda tremenda. Achei aqui 3 correios do Brasil de Julho e Agosto que tanto cuidado me deram estou pois agora retrospectivamente em dia com meus amigos e sei o que se passou em minha casa. Deus louvado as bombas não vieram deste lado do Seine e os estragos mesmo na margem esquerda são comparativamente pequenos . Rombos no Panthéon, Inválidos, St. Sulpice, Colégio Henri IV.e e Biblioteca de Sta. Genoveva. Lá fui ver o respeitável Mr. Ferdinand Denis (8) que passou essa crise cruel no seu posto de honra perto dos tesouros da ciência com que ele se tinha posto nas adegas da Biblioteca e com bombeiros para apagar o incêndio caso lá se declarasse. Um obus entrou-lhe pelo quarto onde ele repousava. Excelente digno homem. Quando outros se afligem por interesses mesquinhos esse caráter tem a meus olhos muita grandeza defender e querer morrer com seus manuscritos preciosos - C’est Antique ! (9)
12 de fevereiro - Acabo de receber a notícia fatal (10) e com o coração partido da mais pungente dor me atiro nos braços da Imperatriz e aos pés de V. M. I. para chorar com ambos Nossa querida Filha pois só se eu perdesse meu filho poderia sentir maior pesar. Nem peço desculpa, tudo é pouco para exprimir o que sinto dentro do coração ! E eu que Lhes dei a notícia das melhoras ! Verdade é que o telegrama recebido a 3 dizia que ela tinha piorado no dia 1.o mas que a 2 ia melhor ! - Oh custa muito curvar a cabeça diante de decreto que parece tão injusto. Uma menina e Mãe de 4 filhinhos ! (11) É horrível - A notícia caiu sobre mim como um raio e da maneira a mais cruel. Mando o documento a VV. MM. que ainda terão dó de Sua pobre criada que banhada em lágrimas Lhes beija a mão.


C de Barral


[ Fevereiro de 1871 ]


Papel tarjado de luto .
Quatro páginas de texto .


Arquivo Histórico do Museu Imperial - Petrópolis, Rio de Janeiro


(1) João Artur de Souza Correia, um dos adidos da Legação do Brasil em Londres, mais tarde enviado extraordinário e ministro plenipotenciário do Brasil na Santa Sé e depois Grã-Bretanha .
(2) ... - eu não entendo de política ide falar com o Major Müller. A Condessa escreve em mau francês reproduzindo a péssima pronúncia do general Pietriskin que comandava o grupo militar da fronteira.
(3) Jorge Broon, militar, chefe de divisão graduado, comandante geral dos navios desarmados.
(4) ... furgão de freios da Locomotiva, ... Furgão é o vagonete coberto, dos trens antigos, que transportava víveres e bagagens.
(5) Chuva à gamelas - a Condessa usa a expressão regional quando o mais comum é chuva a cântaros ou a potes, para indicar chuvas copiosas, torrenciais .
(6) Calolé de Santo Amaro - estrada na cidade de Santo Amaro da Purificação, Bahia .
(7) . o partido Democrático vermelho vencerá .
(8) Ferdinand Denis, conservador e bibliotecário da Biblioteca de Santa Genoveva (1840) de Paris. Esteve no Brasil entre 1816-1820, como auxiliar do vice-cônsul francês na Bahia. Interessava-se pelos assuntos brasileiros, autor de numerosos trabalhos sobre nosso país. Foi condecorado com a Ordem Imperial do Cruzeiro pelo muito que se ocupou do Brasil .
(9) É antigo ! - certamente os tempos eram outros e a atitude de Ferdinand Denis era considerada por ela como algo do passado.
(10) Momento em que recebeu a notícia da morte de D. Leopoldina, ocorrida em Viena, vítima da febre tifóide .
(11) Os Príncipes D. Pedro Augusto, D. Augusto Leopoldo, D. José Fernando e D. Luís Gastão .

Cartas da Condessa de Barral para a Imperatriz


Cartas da Condessa de Barral, a Sua Majestade a Imperatriz.

6 de outubro de 1859 .

Senhora,

Espero que Vossa Majestade não leve a mal a ousadia que tomo de lhe escrever(1) e que me permita de a tranquilizar sobre o estado sanitário de Suas Augustas Filhas : (2)
Suas Altezas estão boas, não tem havido nem tontices, nem calafrios, nem teimas e tem bastado lembrar que Mamãe recomendou que fossem boas para haver a melhor harmonia entre Elas. - Os estudos têm marchado regularmente, e breve deve Sua Alteza a Princesa D. Leopoldina principiar Seus banhos frios para o que já fez hoje a primeira fricção de água fria pelo corpo. As costas estão boas. A Princesa - D. Isabel ainda se queixou uma noite da garganta, porém coisa ligeira e melhorando desse órgão piorou imediatamente dos beiços. Sempre estou ouvindo as últimas palavras de Sua Majestade o Imperador, deixaram-me tão profunda e grata impressão que aumentariam se possível fosse, minha dedicação às Princesas.
Fiquem vossas Majestades certas que farei tudo quanto depender de mim para bem preencher minha alta Missão.
Já disse a Sua Majestade o Imperador que Lhe escrevia da cama onde me prendeu uma grave dor de garganta fico melhor, e deposito aos pés de Vossa Majestade as homenagens respeitosas do Meu Marido, as minhas e as do pequeno Dominique(3) que conosco beija a Augusta mão de Vossa Majestade.

De Vossa Majestade
a humilde criada(4)

Condessa de Barral
Arquivo Grão Pará - Petrópolis, Rio de Janeiro

(1) Carta da Condessa de Barral à Imperatriz que acompanhava o Imperador na viagem ao Norte do País.
(2) A Princesa Imperial D. Isabel e a Princesa D. Leopoldina.
(3) Dominique Horace de Barral, filho da Condessa de Barra, nascido em 1854, futuro Conde de Barral e Marquês de Montferrat.
(4) A expressão “criada”, ainda hoje usual entre pessoas educadas, era invariavelmente empregada pela missivista.

Princesa Imperial D. Isabel

( 1859 outubro)

Senhora.

Vossa Majestade lerá a carta que eu escrevi a Sua Majestade o Imperador,(1) e ficará assim bem ao fato da saúde de Suas Augustas Filhas. Cuido que não haverá remédio senão arrancar o dente da Princesa D. Leopoldina. Ela tem sofrido dele, e pode a cárie passar para os outros. A história dos frios foi a repetição das tontices do ano passado, quando saía do quarto da Princesa D. Isabel. S. A. confessa que sentia uma ligeira indisposição e que para fugir de estudar aumentava-a muito e às vezes mesmo de todo, e que o medo era o que a fazia esfriar. Seja lá o que for, desde que não quis mais estar doente, está boa, e dou a Vossa Majestade o sincero parabém que já dei a mim mesma.
O dia 15 que avivou tanto nossas saudades, passou-se bem. Vieram muitos homens, e entre os membros do corpo Diplomático, o Barbolani,(2) o Tomar,(3) Sonleithner,(4) Mead (5) e o Espanhol (6) - Senhoras - a Marquesa de Paraná,(7) e Viscondessa de Campos (8) - D. Guilhermina Brás Belens e a Senhora do Miranda Rego. (9) - Ministros etc. Suas Altezas trajavam uns bonitos vestidos cor de rosa e branco, mandados da França, e sempre resolveram-se a perguntar em Francês ao Barbolani se tinha boas novas de Nápolis, ao Sonnleithner pela filinha, e ao Tomar pela Condessa. O dia foi de chuva e trovoada. -
Nas notícias diversas, só me ocorre dizer a Vossa Majestade que o Mr. Taunay(10) (Felix) teve um ataque de Cholera- Morbus esporádico, de que ficou bom depois de ter chegado às cãimbras e à algidez -
Casa-se a Chiquinha Pais Lemos (11) com o filho do Senhor Manuel Higino (12) - e com isso e a esperada morte da neta do Marquês de Caxias (13) que está expirando termino minha gazetilha porque não tendo ainda saído do Palácio é que quase nada sei. - Estão de semana(14) o Neto dos Reis (15) e o Persiani. (16) - O Jobim (17) nas palestras só contou histórias do Quiroga e Rosas - O Meirinck (18) foi mais interessante com o histórico da Província de Minas Gerais. Veremos estes o que dão de si. -
19 de outubro - Quis Vossa Majestade me dar um grande alegrão, e preencheu seu fim perfeitamente, escrevendo- me a cartinha que depois de lida levei à boca e ao coração. Mil e mil graças Minha Senhora, é um tesouro que depois de minha morte passará a meu filho. -
Ontem pela primeira vez teve Sua Alteza a Princesa D. Leopoldina um pequenito resfriamento de mãos coisa tão ligeira que com meia dúzia
de pinotes no quarto passou, mas assim mesmo hoje direi isso ao Valadão, (19) e estou morta por ver passar sua fluxion (20) para ela principiar os banhos frios. Só fecharei esta carta na hora da partida para bem informar V. M. de tudo. -
22 de outubro Sua Alteza tem continuado a dizer que sente pequenitos incômodos, mas, se lhe não dão atenção, passam rapidamente, mas é um mau costume que vai tomando, de querer ser nervosa, e bom será que V. M. lhe dê Seus conselhos. Só principia o banho frio amanhã por demora do arranjo da estrada do trapicheiro. (21) Vamos hoje visitar as órfãs de S. Cristóvão às 5h. da tarde.
Nada mais há que dizer. Ponho aos pés de Vossa Majestade a humilde expressão de minha inteira devotação e respeito, e por meu Marido (22) e filho Lhe beijo a Augusta mão.

Condessa de Barral

Condessa de Barral e o Príncipe do Grão – Pará
Arquivo Grão Pará - Petrópolis, Rio de Janeiro

(1) Grande número de cartas da Condessa de Barral dirigidas diretamente ao Imperador D. Pedro II não foi encontrado. A primeira deste é datada de 1865, de acordo com as publicações de Alcindo Sodré e Raimundo Magalhães Jr.
(2) Cavaleiro D. Raphael Ulysse Barbolani, encarregado de negócios das duas Sicílias.
(3) Conselheiro de Estado Conde de Tomar, Antônio Bernardo da Costa Cabral, 1o. Conde e único Marquês de Tomar - enviado extraordinário e Ministro plenipotenciário de Portugal.
(4) Conselheiro da Legação Hippolyt von Sonnleithner, Ministro residente da Áustria, Comendador da Ordem Pontifícia de São Gregório Magno e cavaleiro da Real Ordem Grega do Salvador(a Condessa escreveu Sonleithner).
(5) Richard Kidder Meade, enviado extraordinário e Ministro plenipotenciário dos Estados Unidos da América do Norte ( a Condessa escreveu Mead) .
(6) D. Manoel Rances y Villanueva, Ministro residente da Espanha, comendador da Real e Distinta Ordem Espanhola de Carlos III estava ausente. A Condessa não saberia o nome do substituto interino representante da Espanha, escrevendo “Espanhol”. Era ele o secretário da Legação, D. Mariano de Potestad, cavaleiro da Ínclita Ordem Militar e Religiosa de São Maurício e São Lázaro da Sardenha.
(7) Marquesa de Paraná, D. Maria Henriqueta Carneiro Leão - Dama honorária da Casa Imperial.
(8) D. Elisa Leopoldina Carneiro Leão, esposa de José Alexandre Carneiro Leão, Visconde de São Salvador de Campos, gentil-homem da Imperial Câmara.
(9) Esposa do Conselheiro Antônio Henriques de Miranda Rego, futuro mordomo interino da Casa Imperial .
(10) Félix Emile Taunay, nascido em Montmorency na França, chegou ao Rio de Janeiro, em 1816, com seu pai Nicolau Antoine Taunay que fazia parte da “missão artística francesa”, vinda ao Brasil, a chamado de D. João VI. Era pintor, como o pai e substituiu-o na direção da Academia de Belas Artes. Foi professor de Francês e de Desenho de D. Pedro II. Faleceu no Rio de Janeiro a 10 de abril de 1881. Pai de Alfredo de Escragnolle Taunay, o Visconde de Taunay .
(11) Filha de Fernando Dias Pais Leme, veador da Casa Imperial. A Condessa enganou-se e escreveu Lemos .
(12) A Condessa em algumas cartas se refere ao “filho de Manuel Higino”porém não cita seu nome. Sabe-se que Manuel Higino de Figueiredo era gentil- homem da Imperial Câmara.
(13) Ana, falecida pouco depois, neta de Luís Alves de Lima, Marquês de Caxias, futuro Duque, ajudante de campo de S. M. o Imperador.
(14) “Estar de semana”, significa a presença de altos dignitários do serviço honorífico que se revezavam semanalmente, prestando assistência aos membros da Família Imperial. Chamados, por isso, semanários.
(15) Joaquim Pinto Neto dos Reis, depois 1o. Barão de Carapebus.
(16) Dr. César Persiani, médico, Barão de Itiúba.
(17) José Martins da Cruz Jobim. Professor da Faculdade de Medicina do Rio de Janeiro. Médico da Casa Imperial. Senador.
(18) José Carlos Mairink - guarda- roupa da Casa Imperial ( a Condessa escreveu Meirink) .
(19) Dr. Manuel de Valadão Pimentel, médico honorário da Imperial Câmara, em 1866 Barão de Petrópolis com honras de Grande do Império.
(20) Resfriado
(21) Ao lado do rio dos Trapicheiros, na Tijuca. Nas imedições havia termas onde eram aplicados “banhos”, “duchas” etc.
(22) Eugênio de Barral, Conde de Barral, primo do Príncipe Eugênio Beauharnais, pai da nossa Imperatriz Amélia, segunda esposa de D. Pedro I.


Senhora,

Beijo a mão de Vossa Majestade pela nova graça que se dignou de fazer-me escrevendo-me no dia 28 do p.p. mês. Essa boa cartinha que tanto gosto me veio trazer chegou-me às mãos no dia 4 deste mês, e já hoje Suas Altezas tiveram outras novas pelo vapor Inglês. Deus seja louvado Vossas Majestades passavam bem salvo a dor de dente que Sua Majestade o Imperador pretendia aliviar, arrancando-o no dia em que escrevia a suas Augustas filhas. O Rinaldi (1) é um perito dentista que havia de ter feito a operação sem muitas dores. É o que eu espero saber breve.
Sua Alteza a Princesa D. Leopoldina mostrou uma grande valentia em idênticas circunstâncias, e meu marido lá leva o dentinho como troféu.-(2)
Tudo tem andado em paz e harmonia, e sem o incômodo dos lábios da Princesa D. Isabel, eu poderia dar o gosto a Vossa Majestade de Lhe dizer que Suas Altezas estão perfeitamente boas. - A Princesa D. Isabel já tomou 11 banhos frios e Sua Maninha 9 por tê-los interrompido 2 dias enquanto a cisura do dente cicatrizava. Ela está gordinha, com linda cor, e já que Ela não lê minha carta, posso dizer, sem despertar vaidades, que está ficando muito bonitinha. A Princesa D. Isabel está muito gorda, e sua inalterável bondade e angélica candura cada vez mais a metem dentro do meu coração. - (3) A semana do Dr. Freire (4) foi aproveitada para a botânica, e se as palestras não foram tão alegres como na Semana de Persiani, não deixaram de ser muito interessantes.
O Taunay sumamente pago pelas delicadas expressões de interesse de Vossa Majestade, me encarrega de Lhe beijar a mão em sinal de gratidão e respeito. As visitas têm sido muito pontuais em vir aos Domingos saber notícias de SS.AA. a Maria Francisca, (5) a Viscondessa, o Cabral,(6)Siqueira, (7) Abrantes, (8) Abaeté (9) e José dos Cacos (10) têm sido dos mais assíduos. A Viscondessa de Barbacena (11) presa em casa por seus incômodos escreve sempre para saber notícias de V. Majestade.
Quando principio, gosto tanto de conversar com Vossa Majestade que me esqueço da seca que Lhe dou. Perdoe-me Minha Senhora e permita que eu deposite aos pés de V. Majestade as humildes expressões de meu respeito e profunda dedicação.
Dominique comigo encarrega o Papá, (12) de por nós beijar a mão de Vossa Majestade, e agradece o lindo peixe, e eu o belo requeijão.
De Vossa Majestade
a humilde criada
Condessa de Barral
6 de novembro de 1859.


(1) Dentista da Casa Imperial Alexandre Petit Renaldy, residente em Salvador.
(2) Muito comum colocar-se dente encastoado em ouro, para enfeite nas correntes de relógio ou ao pescoço.
(3) Demonstra a Condessa de Barral seu especial afeto por D. Isabel de quem seria sempre fiel companheira, em diversos períodos, conforme veremos pelas várias cartas, a seguir.
(4) Dr. Francisco Freire Alemão - médico e botânico. Doutor em Medicina pela Faculdade de Paris. Médico da Imperial Câmara. Agraciado com o título de Conselho. Deixou obras importantes sobre Botânica e notável estudo sobre Plantas Brasileiras.
(5) D. Maria Francisca Calmon Vale da Gama, futura Baronesa de Nogueira da Gama e dama honorária da Casa Imperial, esposa de Nicolau Antônio Nogueira Vale da Gama, futuro mordomo da Casa Imperial e Visconde de Nogueira da Gama.
(6) Francisco Xavier Calmon da Silva Cabral, então moço fidalgo da Casa Imperial, futuro 2o. Barão de Itapagipe, com grandeza (1866), quando tenente - general.
(7) Francisco Joaquim de Siqueira - moço fidalgo, com exercício, da Imperial Câmara.
(8) Conselheiro de Estado Marquês de Abrantes, Miguel Calmon du Pin e Almeida, veador da Casa Imperial, a serviço de S. M. a Imperatriz.
(9) Visconde de Abaeté, Antonio Paulino Limpo de Abreu, gentil - homem da Imperial Câmara.
(10) José dos Cacos - apelido de José Gonçalves da Silva, autor de um relato intitulado “Recordação histórica - abdicação do Sr. Pedro I (1864)”. Foi soldado da Imperial Guarda de Honra.
(11) Augusta Isabel Kirckhoefer, esposa de Felisberto Caldeira Brant Pontes, 2o. Visconde de Barbacena.
(12) o Conde de Barral encontrava-se em Salvador onde fora a negócios.


Senhora,

Não tenho senão agradáveis novas a dar a Vossa Majestade, sobre as Saúdes de Suas Augustas Filhas, que ficam otimamente. Rogo a Vossa Majestade de instar com sua alteza a Princesa D. Leopoldina para que se corrija do mau hábito que tem de estender seu lábio inferior, de coçar a cabeça e o nariz, e de vesgar os olhos quando escreve. Diga-lhe que espera achá-la sem esses cacoetes na Sua volta, para ver se Ela atende às minhas constantes advertências.
Não temos tido grandes tempestades de gênio, apenas alguns aguaceiros que passam, coitada, sem rancor.(1) -
É natural que meu marido já esteja na Bahia quando Vossa Majestade voltar do recôncavo. Tenho bem inveja do gosto que ele vai ter de beijar a mão de Vossa Majestade!
O que me diz Vossa Majestade da minha frondosa Gameleira do Caminho da Feira? Que, da vista das ilhas do Boqueirão, que, da pobre Vila de S. Francisco, tão pitoresca, e de Sto. Amaro onde nem água há para beber? ...
Que gosto será o meu na volta de Vossa Majestade ouvir contar Sua viagem! ... - Dizem que há bastantes casos de crupe e um Dr. Rodrigues está com ambas as filhas à morte, e a pequenita já está na eternidade, mas nem falar nisso é bom! ...
Beijo as mãos de Vossa Majestade e humilde peço a Deus que vele sobre Suas Filhas.

De Vossa Majestade
a humilde criada

Condessa de Barral

11 de novembro [ 1859 ]


Arquivo Grão Pará - Petrópolis, Rio de Janeiro

(1) Nota-se que D. Leopoldina dava mais trabalho do que D. Isabel, não atendendo às advertências da Condessa. Era geniosa não rancorosa.

Senhora,

Minha pobre Bahia deve estar hoje tão triste quão alegre esteve durante a visita de Vossa Majestade, e eu tenho muita dó dela ...
Recebi a carta de Vossa Majestade neste momento e estimo poder responder imediatamente pelo vapor que parte amanhã cedo.
Suas Altezas Imperiais estão muito boas, com belas cores, e tirando ótimo proveito dos banhos frios.
Elas têm estudado regularmente, e não temos tido zangas, nem grandes raivas. - O Bevilacqua (1) não tem sido exato, e são lentos os progressos sobre o piano, os outros mestres têm cumprido suas obrigações. (2) -
Tivemos por cá duas cerimônias, a do batismo da órfã a qual assistiram 130 meninas na capela de S. Cristóvão, (3) e a dos cegos que muito nos sensibilizou. Que belo homem é o Dr. Cláudio (4)que consagrou sua existência ao alívio de tamanho infortúnio! ... Dizem tanto mal deste mundo, e nele encontram-se almas como a do Dr. Cláudio ... Valha-nos isso . -
A viagem para Petrópolis está marcada para o dia 4 de Dezembro por ser um Domingo e assim não se perder um dia de estudo. -
Recebi a carta de meu Marido e a Vossa Majestade devo mais esse grande favor. Estimo que ele tivesse a fortuna de poder seguir logo para Sto. Amaro, e de entregar as cartas de Suas Altezas com toda a brevidade. -
Cada vez vão se tornar mais difíceis as comunicações com Vossa Majestade, e mui tristes ficaríamos da maior distância que nos separa, se não nos lembrássemos que é recuar para melhor saltar.
Aos pés de Vossa Majestade deposito a expressão humilde de meu profundo respeito, e com Dominique beijo a Augusta mão de Vossa Majestade.

Condessa de Barral
22 de novembro de 1859 .

Arquivo Grão Pará - Petrópolis, Rio de Janeiro .

(1) Isidoro Bevilaqua era o mestre de música de SS. AA. Imperiais.
(2) Entre os mestres das Princesas destacam-se: a Institutrice Mlle. Victorine Templier ( sugerida à Condessa de Barral pela Rainha Maria Amélia de Orléans ) ; o mestre de danças Julis Toussaint; o mestre de História, Joaquim Manuel de Macedo; mestre de Ciências, Francisco Crispiniano Valdetaro; a própria Condessa também ensinava.
(3) Capela de recolhimento dos orfãos que estava ligado à Santa Casa da Misericórdia .
(4) Dr. Cláudio Luís da Costa, médico parteiro e cirurgião, diretor do Instituto Imperial dos Meninos Cegos, morro da Saúde e na Praia do Flamengo .

Senhora,

Soubemos pelo Mancebo (1) que ele tinha encontrado o Apa na sua vinda de Pernambuco, e deploramos que ele não trouxesse ao menos um recado de boca. As últimas cartas de Vossas Majestades causaram grande prazer às Princesas que estão hoje perfeitamente boas.
Sua Alteza a Princesa D. Isabel no dia Sábado 26 teve de repente uma dor de ar durante a lição de Madame Diemer, eu estava então jantando e quando subi achei-A de cama tendo se despido para friccionar o lado, mas tudo isso sem ninguém me dar parte, do que fiquei um pouco sentida, mas, como o incômodo, vestir, e despir, tudo isso não levou mais do que ½ hora , nem foi preciso se chamar médico, e que ela continuou mesmo a lição de Mme. Diemer pode Vossa Majestade ficar certa que muito ligeiro foi o padecimento.
Mais assustada ficou a Princesa D. Leopoldina ( a quem também não disseram nada ) quando viu a Mana na cama. Eu não deixei de dizer que estranhava que se não tivesse mandado chamar, ao que replicou D. Domitília (2) que me tinha mandado um criado chamar, enfim. ...
Vossa Majestade conhece essas coisas, melhor do que eu, e do que me alegro e Dou Graças a Deus é que a Princesa não tivesse quase nada .
Uma cruz no mapa da Princesinha quer dizer uma raivinha que Ela teve por eu suprimir um certo salva vida que lhe ia custando a vida no banheiro do Trapicheiro. Felizmente a Mana agüentou-a pelo pé e puxou-a privando-a de beber bastante água. Era pé de Ela dar grandes pulos das pedras dentro da água etc. etc. para fugir de perigos não se levam mais os Salvas vidas. A outra cruz foi lá um barulho com Mlle. Templier por falta de ser atenciosa nas Suas expressões, mas nada de bem grave. - Os exames passados diante do Tomás Gomes (3) nas palestras de 8 a 9 horas foram muito bonitos, e deixaram o Dr. de queixo caído por ver como SS. AA. respondem bem.
A distribuição dos prêmios foi bonita no colégio das Irmãs de Caridade, e Suas Altezas desempenharam com graças o fastidioso ofício de coroar as Meninas. Elas estavam muito bem vestidinhas de branco com fitas verdes e chapéus de palha de arroz enfeitados de verde e branco. O que veio de França muito feio, foram os vestidos para o dia 2 de dezembro (4) nem sei se os poderão vestir, tão encardidos estão.
Morreu a pobre Marquesa de Lajes,(5) e está muito mal a Viscondessa de Maranguape. (6) Julgam os médicos que ela não escapa é moléstia do cérebro e da espinha coitada! -
Tive notícia da partida do vapor só agora e por isso Vossa Majestade relevará minhas garatujas feitas à pressa.
Ponho aos pés de Vossa Majestade meus humildes respeitos, e com meu filhinho beijo-Lhe a augusta Mão.

Criada humilde e muito devotada

Condessa de Barral

28 de novembro de 1859 .

(1) Capitão de mar e guerra Gervásio Mancebo .
(2) D. Domitila Francisca de Abreu Brandão que era açafata das Princesas
(3) Tomás Gomes dos Santos, médico. Diretor da Imperial Academia de Belas Artes .
(4) Referia-se a 2 de dezembro, aniversário do Imperador .
(5) D. Isabel Eleonor da Mota Leite Araújo, Marquesa de Lajes, dama honorária da Casa Imperial .
(6) Esposa do conselheiro de Estado Caetano Maria Lopes Gama, Visconde de Maranguape.


Senhora,


Vossa Majestade pode gozar de sua bela viagem com seu coração tranqüilo, Suas Augustas Filhas estão muito boas, e vão se dando otimamente com os banhos frios. Ainda a peguena inflamação na gengiva de Sua Alteza a Princesa D. Leopoldina não deu lugar a se Lhe arrancar o dente, mas as dores passaram, e vieram para mim que tenho constantemente sofrido ora de uma coisa ora de outra. Mas eu aceitaria de bom coração tudo quanto Deus quisesse que eu padecesse em lugar de minhas queridas Princesas. Elas contarão a Vossa Majestade o mergulho semi-trágico, semi-jocoso que D. Rosa deu no Trapicheiro para privar a Princesinha de uma grande queda. A pobre D. Rosa veio para casa como um pinto com a roupa pegada ao corpo mostrando bem que só pesa 110 libras.(1) - Mas, eis o inconveniente da Princesinha só ter D. Rita (2) por Dama, de nada serve mais, senão para andar pelos corredores de lá para cá todo o santo dia ! ... Apesar de eu dizer isto, já acho tanta gente de mais no Palácio que não desejo nem ligeiramente ver aumentar seu pessoal ! ...
Cada vez que eu passo pela varanda, e que olho para as janelas do quarto de Vossa Majestade, tenho muitas saudades, Deus a traga breve minha Senhora, para eu ter o gosto de Lhe beijar a mão e de Lhe repetir quanto Lhe sou dedicada .

Condessa de Barral

PS.Queira Vossa Majestade sofrer que meu Marido e meu filhinho Lhe beijem respeitosos a augusta mão, e dar minhas saudades a D. Josefina.
Cândido Batista de Oliveira (3) está dando sua lição às Princesas, e pede-me que por ele beije a mão de Vossas Majestades.

[ 1859 ]

Arquivo Grão Pará - Petrópolis, Rio de Janeiro .

(1) Libra, antiga medida de peso, correspondente a 459,5 g. e era chamada arratel.
(2) D. Rita Francisca Rose, dama em serviço da Casa Imperial.
(3) Conselheiro de Estado, veador da Casa Imperial, nascido em Porto Alegre era formado em Matemática pela Universidade de Coimbra ( 1824 ) e frequentou a Escola Politécnica de París. De regresso ao Brasil foi nomeado professor de Mecânica da Academia Militar do Rio de Janeiro. Escreveu vários trabalhos sobre Matemática, Economia, Finanças e História .


Petrópolis 5 de dezembro 59 .


Senhora,

Suas Altezas Imperiais chegaram ontem 4 de Dezembro otimamente a Petrópolis tendo uma linda manhã de viagem, porém foram logo nessa mesma tarde obsequiadas com um tremendo aguaceiro Petropolitano, que durou até meia noite ! ...
O dia 2 de dezembro se passou mui bem, e o cortejo foi muito concorrido pelos homens, apresentando-se apenas 4 Senhoras - Maria Francisca, a Viscondessa de Campos, e a viúva do José Clemente (1) e Marquesa de Itanhaém. (2) - Os Ministros acompanharam Suas Altezas até o Caminho de ferro, e vieram mais o Cabral, e o Dr. Borges (3) que esse subiu a serra e dormiu cá.
Achamos tudo perfeitamente em ordem, o Palácio muito limpo, e todas as dependências pintadas e caiadas de fresco. Minha casa está muito bonita. A obra foi bem adiantada, e o Lisboa (4) arranjou lindamente o banheiro de Suas Altezas e a casinha das bonecas que está forrada de papel e pintada, com cadeiras e um consolozinho muito engraçado.
Suas Altezas ficaram encantadas, e já ontem fizeram ovos fritos e nos condenaram a provar desse enfumaçado cozinhado! ... As Damas jantam agora no meu chamado quarto, (ex-sala de jantar de D. Josefina)(5) elas se resignaram mui bem a essa mudança, mas as retretas (6) andam trombudas de comer os restos das Damas, e não sei ainda como repartirão esses 2.os restos para as criadas e negras. (7) Mas tudo se arranjará. Eu pretendo passar os dias em que não tenho que dar lição a Suas Altezas, naquela salinha, onde se deposita a caixa do jantar (8) de Vossas Majestades, para estar perto das Princesas, e ao mesmo tempo, poder trabalhar e ler sem ouvir conversar. O Mordomo mandou D. Francisca (9) na véspera para Petrópolis, e eu e Dominique no dia mesmo pelo vapor da carreira, de modo que na Barca Imperial só veio a Francisca de D. Rosa (10) porque essa não podia vir sem sua gente. Creio ter dado uma fiel notícia de tudo a Vossa Majestade, acabando pelo mais importante que é Suas Altezas estarem muito boas.


Beijo a mão de Vossa Majestade
A fiel e saudosa criada
Condessa de Barral

Arquivo Grão Pará - Petrópolis, Rio de Janeiro


(1) D. Engrácia Maria da Costa Ribeiro Pereira, viúva de José Clemente Pereira ( o conhecido líder que entregou ao Príncipe - Regente D. Pedro o pedido do povo para que ficasse no Brasil ) agraciada com o título de Condessa da Piedade.
(2) Maria Angélica Beltrão, Marquesa de Itanhaém - dama honorária da Casa Imperial, 4.a esposa de Manuel Inácio de Andrade Souto Maior, Marquês de Itanhaém. Em 1833 fora nomeado tutor de D. Pedro II. Senador do Império.
(3) Conselheiro Dr. Cândido Borges Monteiro - médico da Imperial Câmara, cirurgião, depois Visconde de Itaúna com honras de Grande do Império. Senador pelo Rio de Janeiro.
(4) Superintendente do Palácio, tenente-coronel Vicente Marques Lisboa. O mestre de obras era José Francisco Dias.
(5) D. Josefina da Fonseca Costa - dama em serviço da Casa Imperial; em 1877 Baronesa e em 1888 Viscondessa da Fonseca Costa.
(6) Retretas - senhoras que cuidavam dos aposentos da Imperatriz e das Princesas.
(7) Uma hierarquia devia ser observada nas refeições. As pessoas mais categorizadas comiam em primeiro lugar. As retretas julgavam-se lesadas, além de comerem depois das damas, ainda tinham que pensar nas criadas e nas escravas.
(8) Móvel onde eram guardados o faqueiro e a louça .
(9) D. Francisca Emília da Cunha - retreta da Casa Imperial.
(10) A Condessa de Barral refere-se a Francisca Santana, parenta de D. Rosa de Santana Lopes, dama em serviço da Casa Imperial, 2.a Baronesa de Santana ( 1874 ) .

7 de Janeiro de 1860 . -

Senhora,

Eu não queria hoje escrever a Vossa Majestade porque não desejava causar-lhe o desprazer de Lhe dizer que não estou contente do comportamento de sua Alteza a Senhora Princesa D. Leopoldina, mas por outro lado julgo do meu dever prevenir Vossa Majestade do que se passa e devo dizer que Ela tem tratado mal a todos, principalmente à pobre Mlle. Templier que sem o mais leve motivo incorreu a sua aversão como Ela o diz .
Fique Vossa Majestade bem persuadida que a pobre senhora não faz nada para merecer isso, e que até é mais paciente do que eu.
Também não quero deixar de dizer a Vossa Majestade que Suas Altezas me deram no dia 1.o de Janeiro uma lindíssima pulseira, que eu não quis aceitar se não depois de saber que tinha sido comprada com permissão de Vossa Majestade - Dominique recebeu igualmente 2 bonitos brinquedos e por tanta bondade ambos beijamos a mão de Vossa Majestade, Dando-Lhe as boas festas, e apetecendo-Lhe tudo quanto há de bom neste mundo.
Meu Marido esta cercado de desgostos nos seus Engenhos e tem descoberto grandes ladroeiras dos nossos administradores que se têm regalado durante estes três anos de ausência ! Não temos safra, e devemos a quem nem suspeitávamos dever ...
São horas de fechar esta carta beijo com todo o respeito a mão de Vossa Majestade .

Condessa de Barral

Muitas saudades à senhora D. Josefina .

Arquivo Grão- Pará - Petrópolis, Rio de Janeiro


11 de Janeiro de 1860 .

Senhora,

Vossa Majestade não pode imaginar de que alegria ficam todos cheios quando recebem novas de Vossas Majestades, e como todos querem a um tempo saber a época fixa de volta! ...
Desde que Vossa Majestade mandou seu retrato às Princesas, nunca mais Elas se separaram dele. Vossa Majestade assiste às lições, e até fica dependurada no piano quando estudam. O maior castigo que eu tenho prometido e de que tenho tirado o maior proveito, é dizer: que ficará privada de olhar para o retrato Aquela que não trabalhar bem. Ainda não foi preciso usar desse meio cruel para uma amante filha. Estão os retratos mui semelhantes e preferíveis a todos os que até agora tínhamos visto . -
Nunca tive tanta vontade de empurrar o tempo para diante, chegue minha Senhora, e se o que por cá se diz for verdade, venha ainda mais depressa nos dar esse alegrão .
Vossa Majestade já deve estar farta de Te-Deums, e muita bondade é necessária para viver tantos meses em semelhante rebuliço ... O consolo é o bem que tem feito a essa Sua pobre gente .
Suas Altezas tiveram poucas visitas de boas festas Só o Sinimbu, (1) Cabral, Nogueira da Gama, (2) Valadão, Dr. Cláudio, Manuel Felizardo (3) e Barão de Piraquara (4) (ambos com seus valentes narizes ) foram os que vieram decretadamente da cidade para esse fim. Esquecia o Padre Vasconcelos e espera-se amanhã o Dr. Cândido Borges. -
Suas Altezas ficam perfeitamente boas. Sempre nos dão tanta pressa que não há tempo senão para beijar a mão de Vossa Majestade por mim e o Dominique que fica bom .
Condessa de Barral

Devo me acusar de um pecado, e vem a ser : de ter constantemente esquecido de beijar a mão de Vossa Majestade em nome da pobre Mlle. Templier que sempre me encarrega disso. Vossa Majestade só culpe a mim dessa grande falta coitada .

(quatro páginas de texto) .

Arquivo Grão Pará - Petrópolis, Rio de Janeiro

(1) Conselheiro de Estado João Lins Vieira Cansansão de Sinimbu, Visconde de Sinimbu, com grandeza (1888) , ministro dos negócios Estrangeiros, foi ministro da Agricultura da Justiça e presidente do Conselho de Ministros.
(2) Nicolau Antônio Nogueira Vale da Gama, Visconde de Nogueira da Gama. Mordomo da Casa Imperial de 1868 até a proclamação da República.
(3) Manuel Felizardo de Souza e Melo, senador pelo Rio de Janeiro, conselheiro de Estado. Foi ministro da Guerra, da Marinha e da Agricultura.
(4) Gregório de Castro Morais e Souza, 1.o Barão de Piraquara, veador da Casa Imperial, tenente - coronel do Exército, comandante superior da Guarda Nacional .

Senhora,

Já escrevi longamente a Sua Majestade o Imperador(1) sobre a saúde de Suas Altezas, e apesar disso, venho repetir a Vossa Majestade que a Princesa D. Isabel teve 4 dias com um forte pigarro que felizmente não degenerou em defluxo, nem trouxe febre. Ela está tomando soro salçado para melhorar de seus beiços, e com a Glicerina lembrada pelo Dr. Feijó (2) tem se dado muito bem. Seu pigarro nunca a privou de dar suas lições, mas o soro salçado vai privá-la por alguns dias de seus banhos frios . A Princesinha está boa e contentíssima com a chegada da Chica. (3) Maria Antônia (4) está hospedada em minha casa por ter emprestado a dela ao filho do Manuel Higino que partiu hoje à pressa para ir ver sua Mãe gravemente doente de tifo .
Têm morrido 4 Irmãs de Caridade de febre amarela, mas em Petrópolis não me consta que haja moléstia nenhuma reinante. Tivemos 15 dias de Sol mas a chuva quer já se cobrar desse descanso. -
Dominique que quebrou ontem a cabeça já está hoje como se tal não lhe tivesse acontecido. Mas que susto eu tive! ... e que de graças tenho de dar a Deus ...
Espero o dia 14 com a maior impaciência. (5) O Barbolani está em Nova Friburgo. O Ministro da Bélgica (6) queimou o rosto com uma rodinha de fogo querendo soprar sobre a pólvora, e com esta última notícia tenho esgotado tudo quanto há por cá de novo. Beijo a mão de Vossa Majestade e com o mais profundo respeito repito que sou

De Vossa Majestade
a humilde e grata criada
Condessa de Barral
21 de Janeiro de 1860.

Quatro páginas de texto

Arquivo Grão Pará - Petrópolis, Rio de Janeiro .


(1) A correspondência da Condessa de Barral era dirigida assiduamente ora ao Imperador, ora à Imperatriz e algumas vezes a ambos. No entanto, as cartas diretamente dirigidas ao Imperador no período que vai de 1856 a 1865 não foram até o momento encontradas, apesar das referências da Condessa a essas missivas, em cartas dirigidas à Imperatriz.
(2) Luís da Cunha Feijó, médico honorário da Imperial Câmara, Visconde, com grandeza, de Santa Isabel.
(3) Francisca, parenta de D. Rosa, 2.a Baronesa de Santana .
(4) D. Maria Antônia de Verna Magalhães da Fonseca, dama da Casa Imperial .
(5) Dia 14 de fevereiro estava anunciado como o previsto para a chegada dos Imperadores .
(6) Conde Paulo de Borchgrave de Altena, ministro residente da Bélgica no Brasil .

1.o de fevereiro 60

Senhora,

Vossa Majestade não pode imaginar com que prazer eu lhe escrevo esta última carta que parece o prelúdio de Sua chegada ao Rio! ... Deus seja mil vezes louvado. Suas Altezas contarão a Vossa Majestade, a visita do Sr. Arquiduque Ferdinando Maximiliano, (1) mas é natural que não digam quanto Elas se portaram bem. Eu não esperava nem tanta boa graça, nem tanto desembaraço sem demasiada familiaridade, em suma fiquei muito contente, e todos encantados com nossas Princesas. - Os Ministros (2) tinham dado a entender ao Príncipe que ele seria hospedado no Palácio, mas Sua Alteza Imperial nem nisso pensou, e foi diretamente morar no hotel Oriental, (3) aceitando no dia 30 um jantar no Paço e no dia 31 um pequeno chá em família sem ninguém de fora exceto a Sra. do Mordomo.(4) O Príncipe ficou à mesa entre as duas Princesas, D. Rosa perto da Princesa D. Isabel, e eu ao lado de minha travessa Princesa D. Leopoldina que foi o mais amável que é possível. O Mordomo e Mr. de Sonnleithner faziam face ao Príncipe, e as mais Senhoras e homens de casa e da comitiva do Príncipe rodearam a mesa em número de 15. O jantar foi decente e servido na futura sala de baile. (5) 2 lindíssimos dias ajudaram a bem festejar o Arquiduque. A Primeira vistaque S. A. fez às Princesas foi um grande uniforme, mas veio ao jantar de casaca preta e calças brancas.
- Ele tem um todo elegante, e boas maneiras, fala muito e tem grande uso dessas conversas de salão, quanto ao fundo não pude ajuizar visto a conversa não ter passado de banalidades, mas foi singular que eu lhe falasse no meu velho conhecido Conde Bombelle que justamente foi seu Preceptor, e na Condessa de Lutzow (6) que é ela grande maitresse (7) da Arquiduquesa ambas pessoas de minha amizade de modo que isso estabeleceu logo uma espécie de conversa agradável para S. A. - O penteado do Príncipe é muito singular e me faz suspender o juízo quanto ao fundo que de ordinário não dá tempo para tantos requifeques. (8)
Dizem uns, que ele veio ver nossas Princesas para o Irmão o Arquiduque Luís José Antônio Vítor que tem 18 anos, outros para o cunhado o Conde de Flandres (9) que tem 23 anos, e isso logo me pôs de orelhas em pé .
Vossa Majestade por Sua grande bondade desculpará esta longa carta que não é mais que um intróito às imensas narrações que ficam para a vista. Espero o Dr. Borges hoje para ele decidir de conformidade com o Dr. Valadão se Suas Altezas vão receber Vossas Majestades à cidade, e muitas cócegas tenho tido de dar às Princesas esse grande alegrão, mas antes de saber o parecer dos Médicos ficarei silenciosa, para não dar talvez esperanças, que mais ainda fariam sentir o não ir à cidade, se eles resolverem que há nisso imprudência.
Beijo a mão de Vossa Majestade por mim e por meu filinho que já está de todo restabelecido da testa quebrada.
De Vossa Majestade
a humilde e obediente criada

Condessa de Barral
Vire V. Majestade a página .

O Turco (10) apresentou uma conta de 1 conto de réis pelos dois dias que S. A. I. passou no hotel Oriental, mas quando o Sonnleithner foi pagá-la já estava o Turco com o dinheiro, e não quis dizer quem tinha pago. Perguntou o Sonnleithner ao Mordomo se seria ele, e respondendo-lhe este, com toda a dignidade : que não se permitiria de pagar as contas de S. A. ainda não se sabe quem foi, mas desconfia-se que fosse o Núncio que também tinha oferecido hospedagem. - É o cancan (11) de hoje em Petrópolis. O Arquiduque foi Padrinho do filho do Ministro da Áustria, que até soube ter um morgado a propósito, para se chamar Ferdinand Maximilien ! - A Princesa D. Isabel ofereceu ao Primo um beija- flor empalhado, e deu-lhe, para levar à Sra. Arquiduquesa um pequenito enfeite de asas de besouro que ela tinha. A Princesinha mandou à Arquiduquesa um lindo lenço de tecido, e ambas deram o Urubu-Rei ao Príncipe. (12) Creio ter contado tudo, exceto que o Príncipe foi visitar o Túmulo de S. M. a Imperatriz Leopoldina (13) e que o acompanhou nessa visita um dos Srs. Siqueiras (14) - O Sr. Delamare (15) foi buscar o Príncipe à Raiz da Serra em nome do Mordomo. - O Pinto de Melo (16) tem-se visto em calças pardas com tantas ordens telegráficas e amanhã deve o Príncipe ir a Santa Cruz ver as plantações de café. (17) Bem entendido que os estudos foram só interrompidos no dia 30 porque todo o 31 Suas Altezas estudaram como se não devessem dar seu chá de noite.
Receberam o Príncipe de vestidinhos de cassa cor de rosa que rivalizava com as faces d’Elas em frescura. Jantaram de branco - e no outro dia vestiram-se de cor de rosa e branco decotadas sem nenhum enfeite de ouro. - Tocaram piano valsaram com o Príncipe, e uma com a outra, fizeram peloticas, (18) mostraram as vistas da Bahia e de Per- nambuco enfim foi o tempo agradavelmente empregado. - Remeto ao Imperador a resposta do Dr. Borges que exige por escrito, e como ele, e o Dr. Valadão ( autorizando-o a falar em Seu nome ) julgam que Suas Altezas podem ir à cidade é natural que lá tenhamos o extremo prazer de ir beijar a mão de Vossa Majestade.
Até o dia 11 de fevereiro Minha Senhora !

a humilde criada

Condessa de Barral

1.o de Fevereiro de 1860 .

Oito páginas de texto.

Arquivo Grão Pará - Petrópolis, Rio de Janeiro

(1) O Arquiduque Maximiliano chegou à Bahia somente a 11 de janeiro de 1860, na corveta austríaca Elisabeth. Sua chegada era esperada e fora oficialmente anunciada para princípios de dezembro de 1859. Houve um atraso provocado pela permanência de alguns dias na ilha da Madeira, por se encontrar enferma a Arquiduquesa Maria Carlota, sua esposa. Prosseguiu sem ela e ao chegar à Bahia não encontrou mais os Imperadores que se haviam retirado para continuar o programa da viagem às Províncias do Norte. Dirigiu-se o Arquiduque para o Rio de Janeiro e daí para Petrópolis para apresentar seus cumprimentos a SS.AA. Imperiais (30 de janeiro de 1859)
(2) O ministro dos negócios Estrangeiros, João Lins Vieira Cansansão de Sinimbu, depois Visconde de Sinimbu, e o ministro residente da Áustria-Hungria no Brasil, Hippolyt von Sonnleithner .
(3) De propriedade de Said Ali ( pai do eminente filólogo Manuel Said Ali Ida ) sito à rua dos Artistas, hoje Avenida Sete de abril - Petrópolis .
(4) D. Francisca de Paula dos Reis Alpoim, casada com o mordomo da Casa Imperial conselheiro Paulo Barbosa da Silva.
(5) A extremidade da ala esquerda do Palácio de verão de Petrópolis .
(6) Maria Inácia, Condessa de Lutzow, nascida Baronesa de St. Just .
(7) Dama principal .
(8) Alteração de requifife, enfeite, adorno .
(9) Príncipe Felipe, Conde de Flandres, Duque de Saxe e Príncipe de Saxe-Coburgo-Gotha, filho do Rei Leopoldo I da Bélgica .
(10) Apelido dado a Said Ali .
(11) Maledicência ou “diz-que-diz”.
(12) Maximiliano tinha pendor pelas Ciências Naturais .
(13) Primeira esposa de D. Pedro I, irmã de Francisco Carlos José, pai de Maximiliano, irmão de Francisco José, Imperador da Áustria. O túmulo de D. Leopoldina estava no Convento da Ajuda. Daí passou para o Convento de Santo Antônio, no Rio de Janeiro. Está hoje no Monumento do Ipiranga (SP) para onde foi trasladado em 1954. No mesmo local se encontram os restos de D. Pedro I, trasladados do Panteão Real de São Vicente de Fora em Portugal,por ocasião de Sesquicentenário da Independência do Brasil.
(14) Pedro Antônio Calmon Siqueira (gentil-homem) e Francisco Joaquim de Siqueira ( moço fidalgo ).
(15) Veador, vice-almirante Joaquim Raimundo de Lamare, guarda-roupa da Casa Imperial, depois Senador por Mato Grosso, em 1888 Visconde, com grandeza, de Lamare .
(16) Francisco Pinto de Melo, oficial da Secretaria da Mordomia - Mor da Casa Imperial .
(17) Embora fosse a Fazenda Imperial de Santa Cruz destinada à criação de gado, não escapou ao surto da lavoura cafeeira, que se estendeu pela Província do Rio de Janeiro .
(18) Jogo com bolinhas, das que usam os pelotiqueiros .


Senhora,

Aí vai finalmente o Senhor Arquiduque Maximiliano, e eu encarrego Monsieur de Sonnleithner de levar a Vossa Majestade as últimas notícias de Suas Altezas Imperiais que ficam Deus louvado boas. Se a Princesa D. Isabel não tem continuado os banhos frios é em razão de estar tomando soro salçado para melhorar de seus beiços, (1) mas o resto de sua saúde vai otimamente. - Eu tenho gozado de ante-mão do gosto que vão ter Suas Altezas quando eu Lhes disser que vão à cidade se encontrar com Vossas Majestades ! ... ficam doidas de prazer ! - V. Majestade tem de ter muitas surpresas tanto em S. Cristóvão (2) como em Petrópolis, (3) mas eu não devo dizer nada, e antes que vá tagarelar beijo a mão de Vossa Majestade, rogando-Lhe o favor de me recomendar à D. Josefina. - Eu sou de Vossa Majestade

a humilde e respeitosa criada

Condessa de Barral
4 de fevereiro de 1860 .

Três páginas de texto .

Arquivo Grão Pará - Petrópolis, Rio de Janeiro

(1) Em algumas cartas da Condessa, observa-se a referência à inflamação nos lábios da Princesa D. Isabel. Provavelmente se tratava de aftas provocadas por alguma gastrite .
(2) O Paço de São Cristóvão mobiliado com decente conforto, e simplicidade. O parque edificado no meio de caprichosas alamedas contornava copados bosques, pela arte paisagística de Augusto Francisco M. Glaziou, diretor de parques e jardins da Casa Imperial .
(3) O Palácio de verão, situado em Petrópolis, para onde se refugiava a Família Imperial durante a estação. Com a Proclamação da República foi alugado para instalação do Colégio São Vicente de Paulo. Desapropriado e transformado em Museu Imperial a 29 de março de
1940 .

Minha Imperatriz !


De Paris escrevi (1) a V.M.I. dando o primeiro gemido pela horrível notícia que recebi lá, e agora renovo o doloroso sacrifício de Londres onde cheguei a 15 deste mês. (2) -
Como talvez ninguém dê a V. M. I. os detalhes que para mim, como Mãe foram facadas, mas ao mesmo tempo fonte de uma sorte de alívio pelas lágrimas que me fizeram derramar, aí lhe copio a carta que a Princesa Clementina(3) escreveu à Princesa de Joinville a 10 de fevereiro.
“Que la volonté de Dieu soit faite ma bonne Chica: (4) mais le coup est dur et nous sommes bien malheureux. L’ état de mon pauvre Gousty (5) me fend le coeur, il sanglote à chaque instant, ne mange, ni ne dort, et est d’un changement affreux ! Elle l’aimait tant ! Et ils étaient si parfaitement heureux ensemble ! Voir tant de bonheur détruit à 25 ans (6) c’estaffreux !! Et ces pauvres petits enfants ! - Je t’ai écrit Samedi, la journée de Dimanche et celle du Lundi ont été calmes et tranquilles. Elle n’ouvrait pas les yeux: mais entendait ce qu’on lui criait dans l’oreille, et a certainement reconnu la voix de Sa Soeur car elle a dit quelques mots en Portugais. (7) Le Lundi soir les médicins ont trouvé un mieux sensible, et nous avons repris espoir. La nuit a été calme : mais vers le matin le Mardi la poitrine s’est prise et à 10 heures les médecins ont déclaré qu’il n’y avait plus d’espoir, et pourtant j’en ai gardé encore dans cette longue journée passée auprès de son lit, la voyant si calme et si peu changée : mais vers 4 heures la respiration est devennu plus courte. L’Abbée Blumel a récité les prières des agonisans nous étions tous à genoux autour de son lit , et à 6 heures la respiration a cessé, sans qu’on vit la moindre contraction sur son visage . Elle était même belle à ce moment, et avait une expression angelique. Maintenant elle est couchée dans un cercueil vêtue d’une robe de soie blanche, une couronne blanche et son voile de noce sur la tête. Elle est toute entourée de fleurs fraiches, des couronnes qui on été envoyées par toutes les Princesses. (8) Elle n’est pas changée, et fait du bien à regarder . Demain il y aura la céremonie religieuse dans la maison et elle partira pour Cobourg oú nous l’accompagnerons tous y compris Gaston et Isabelle qui sont bien bons. Cette dernière est désolée.
On m’annonce l’Empereur, (9) je t’embrasse prie pour nous, nous en avons bien besoin

Tout à toi

Clementina
Oui prions, prions beaucoup, (10) minha querida Imperatriz, minha infeliz Mãe do Anjo que subiu ao Céu, e creia que Sua profunda dor faz eco no meu coração. - Esperamos breve a Princesa Isabel aqui, e meu encontro com ela já me assusta !
Deus teve dó de mim em Paris porque depois de me subir o sangue violentamente à cabeça produziu uma abundante hemorragia pelo nariz e me salvou de uma congestão - Mas estou agora sem novidade. Assim pudesse dar boas notícias de S. M. a Imperatriz Amélia (11) que tem passado muito mal, preparando-nos novas dores e novo vazio no coração ! Oh ! custa muito dizer: “ Que a Vontade de Deus seja feita ! ” e eu não dou ainda a V. M. I. o pio exemplo.
Adeus minha Senhora queira ler ao Imperador esta carta e pelo pensamento, permitir que aos pés de ambos chore a humilde e dedicadíssima criada.
Condessa de Barral

17 de Fevereiro 1871

Estou certa que V. M. I. pensa hoje nos 17 anos do Dominique mas para nós não há hoje senão tristeza . (12)

Papel tarjado de luto .
Quatro páginas de texto .


Arquivo Grão Pará - Petrópolis, Rio de Janeiro .


(1) De Paris escreveu a 11 e 12 de fevereiro sobre a morte de D. Leopoldina Teresa .
(2) Novamente renovava o doloroso dever de falar sobre o assunto .
(3) Princesa Clementina Carolina de Bourbon e Orléans, filha do Rei dos Franceses, Luís Felipe, casada com o Príncipe Augusto Luís Vitor de Saxe-Coburgo- Gotha, Duque de Saxe, sogros da Princesa D. Leopoldina Teresa .
(4) Assim era chamado , em família, D. Francisca, Princesa de Joinville, irmã de D. Pedro II .
(5) Era assim chamado, na intimidade, o Príncipe Luís Augusto Maria Eudes de Saxe .
(6) D. Luís Augusto Maria Eudes contava 25 anos (nascido em 1845) e D. Leopoldina, mais precisamente, 23 anos, 6 meses e 25 dias de idade .
(7) A Princesa Imperial D. Isabel, que regressava da Inglaterra, com seu esposo o Conde d’Eu, ao ter notícia da enfermidade de D. Leopoldina, chegara a 5 de fevereiro .
(8) As Princesas austríacas e outras residendes em Viena .
(9) Imperador Francisco José da Áustria- Hungria, primo em 1.o grau de D. Pedro II .
(10) Tradução :


Que a vontade de Deus seja feita minha boa Chica : mas o golpe é duro e nós estamos bem infelizes. O estado do meu pobre Gousty me corta o coração, soluça cada instante, não come, nem dorme, e é uma terrível mudança ! Ela o amava tanto ! E eram tão perfeitamente felizes juntos ! Ver tanta felicidade destruída aos 25 anos é horrível !! E estas pobres crianças ! - Eu te escrevi sábado, o dia de domingo e o de Segunda-feira foram calmos e tranqüilos. Ela não abria os olhos: mas ouvia o que se lhe gritava ao ouvido, e certamente reconheceu a voz de Sua Irmã pois disse algumas palavras em Português. Segunda-feira à noite os médicos acharam uma melhora sensível, e nós recobramos esperança . A noite foi calma : mas pela manhã, de terça-feira o peito foi tomado e às 10 horas os médicos declararam que não havia mais esperança, e entretanto eu ainda dela cuidei nesse longo dia passado junto do seu leito, vendo-a tão calma e tão pouco mudada: mas pelas 4 horas a respiração tornou-se mais curta . O Abade Blumel recitou as orações dos agonizantes nós estávamos todos ajoelhados em torno de sua cama, e às 6 horas a respiração cessou, sem que se visse a menor contração na sua fisionomia . Ela estava mesmo bela nesse momento, e tinha uma expressão angélica . Agora está deitada num caixão vestida com uma roupa de seda branca, uma coroa branca e seu véu de casamento na cabeça. Está toda cercada de flores frescas, de coroas enviadas por todas as Princesas . Ela não mudou, faz bem olhá-la . Amanhã haverá cerimônia religiosa em casa e ela partirá para Coburgo onde nós todos a acompanharemos inclusive Gastão e Isabel que são muito bons. Essa última está desolada .
Anunciam-me o Imperador, abraço-te reza por nós, temos disso muita necessidade.

Toda tua

Clementina

Sim, rezemos, rezemos muito

(11) D. Amélia de Leuchtenberg, Duqueza de Bragança, Imperatriz do Brasil, viúva de D. Pedro I, portanto, madrasta de D. Pedro II .
(12) O aniversário de Dominique passaria nesse ano sem ser comemorado por causa da morte de D. Leopoldina. Isentava assim aos Imperadores de lhes enviar os parabéns como de costume .