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segunda-feira, 1 de outubro de 2007

Cartas da Condessa de Barral para a Imperatriz


Cartas da Condessa de Barral, a Sua Majestade a Imperatriz.

6 de outubro de 1859 .

Senhora,

Espero que Vossa Majestade não leve a mal a ousadia que tomo de lhe escrever(1) e que me permita de a tranquilizar sobre o estado sanitário de Suas Augustas Filhas : (2)
Suas Altezas estão boas, não tem havido nem tontices, nem calafrios, nem teimas e tem bastado lembrar que Mamãe recomendou que fossem boas para haver a melhor harmonia entre Elas. - Os estudos têm marchado regularmente, e breve deve Sua Alteza a Princesa D. Leopoldina principiar Seus banhos frios para o que já fez hoje a primeira fricção de água fria pelo corpo. As costas estão boas. A Princesa - D. Isabel ainda se queixou uma noite da garganta, porém coisa ligeira e melhorando desse órgão piorou imediatamente dos beiços. Sempre estou ouvindo as últimas palavras de Sua Majestade o Imperador, deixaram-me tão profunda e grata impressão que aumentariam se possível fosse, minha dedicação às Princesas.
Fiquem vossas Majestades certas que farei tudo quanto depender de mim para bem preencher minha alta Missão.
Já disse a Sua Majestade o Imperador que Lhe escrevia da cama onde me prendeu uma grave dor de garganta fico melhor, e deposito aos pés de Vossa Majestade as homenagens respeitosas do Meu Marido, as minhas e as do pequeno Dominique(3) que conosco beija a Augusta mão de Vossa Majestade.

De Vossa Majestade
a humilde criada(4)

Condessa de Barral
Arquivo Grão Pará - Petrópolis, Rio de Janeiro

(1) Carta da Condessa de Barral à Imperatriz que acompanhava o Imperador na viagem ao Norte do País.
(2) A Princesa Imperial D. Isabel e a Princesa D. Leopoldina.
(3) Dominique Horace de Barral, filho da Condessa de Barra, nascido em 1854, futuro Conde de Barral e Marquês de Montferrat.
(4) A expressão “criada”, ainda hoje usual entre pessoas educadas, era invariavelmente empregada pela missivista.

Princesa Imperial D. Isabel

( 1859 outubro)

Senhora.

Vossa Majestade lerá a carta que eu escrevi a Sua Majestade o Imperador,(1) e ficará assim bem ao fato da saúde de Suas Augustas Filhas. Cuido que não haverá remédio senão arrancar o dente da Princesa D. Leopoldina. Ela tem sofrido dele, e pode a cárie passar para os outros. A história dos frios foi a repetição das tontices do ano passado, quando saía do quarto da Princesa D. Isabel. S. A. confessa que sentia uma ligeira indisposição e que para fugir de estudar aumentava-a muito e às vezes mesmo de todo, e que o medo era o que a fazia esfriar. Seja lá o que for, desde que não quis mais estar doente, está boa, e dou a Vossa Majestade o sincero parabém que já dei a mim mesma.
O dia 15 que avivou tanto nossas saudades, passou-se bem. Vieram muitos homens, e entre os membros do corpo Diplomático, o Barbolani,(2) o Tomar,(3) Sonleithner,(4) Mead (5) e o Espanhol (6) - Senhoras - a Marquesa de Paraná,(7) e Viscondessa de Campos (8) - D. Guilhermina Brás Belens e a Senhora do Miranda Rego. (9) - Ministros etc. Suas Altezas trajavam uns bonitos vestidos cor de rosa e branco, mandados da França, e sempre resolveram-se a perguntar em Francês ao Barbolani se tinha boas novas de Nápolis, ao Sonnleithner pela filinha, e ao Tomar pela Condessa. O dia foi de chuva e trovoada. -
Nas notícias diversas, só me ocorre dizer a Vossa Majestade que o Mr. Taunay(10) (Felix) teve um ataque de Cholera- Morbus esporádico, de que ficou bom depois de ter chegado às cãimbras e à algidez -
Casa-se a Chiquinha Pais Lemos (11) com o filho do Senhor Manuel Higino (12) - e com isso e a esperada morte da neta do Marquês de Caxias (13) que está expirando termino minha gazetilha porque não tendo ainda saído do Palácio é que quase nada sei. - Estão de semana(14) o Neto dos Reis (15) e o Persiani. (16) - O Jobim (17) nas palestras só contou histórias do Quiroga e Rosas - O Meirinck (18) foi mais interessante com o histórico da Província de Minas Gerais. Veremos estes o que dão de si. -
19 de outubro - Quis Vossa Majestade me dar um grande alegrão, e preencheu seu fim perfeitamente, escrevendo- me a cartinha que depois de lida levei à boca e ao coração. Mil e mil graças Minha Senhora, é um tesouro que depois de minha morte passará a meu filho. -
Ontem pela primeira vez teve Sua Alteza a Princesa D. Leopoldina um pequenito resfriamento de mãos coisa tão ligeira que com meia dúzia
de pinotes no quarto passou, mas assim mesmo hoje direi isso ao Valadão, (19) e estou morta por ver passar sua fluxion (20) para ela principiar os banhos frios. Só fecharei esta carta na hora da partida para bem informar V. M. de tudo. -
22 de outubro Sua Alteza tem continuado a dizer que sente pequenitos incômodos, mas, se lhe não dão atenção, passam rapidamente, mas é um mau costume que vai tomando, de querer ser nervosa, e bom será que V. M. lhe dê Seus conselhos. Só principia o banho frio amanhã por demora do arranjo da estrada do trapicheiro. (21) Vamos hoje visitar as órfãs de S. Cristóvão às 5h. da tarde.
Nada mais há que dizer. Ponho aos pés de Vossa Majestade a humilde expressão de minha inteira devotação e respeito, e por meu Marido (22) e filho Lhe beijo a Augusta mão.

Condessa de Barral

Condessa de Barral e o Príncipe do Grão – Pará
Arquivo Grão Pará - Petrópolis, Rio de Janeiro

(1) Grande número de cartas da Condessa de Barral dirigidas diretamente ao Imperador D. Pedro II não foi encontrado. A primeira deste é datada de 1865, de acordo com as publicações de Alcindo Sodré e Raimundo Magalhães Jr.
(2) Cavaleiro D. Raphael Ulysse Barbolani, encarregado de negócios das duas Sicílias.
(3) Conselheiro de Estado Conde de Tomar, Antônio Bernardo da Costa Cabral, 1o. Conde e único Marquês de Tomar - enviado extraordinário e Ministro plenipotenciário de Portugal.
(4) Conselheiro da Legação Hippolyt von Sonnleithner, Ministro residente da Áustria, Comendador da Ordem Pontifícia de São Gregório Magno e cavaleiro da Real Ordem Grega do Salvador(a Condessa escreveu Sonleithner).
(5) Richard Kidder Meade, enviado extraordinário e Ministro plenipotenciário dos Estados Unidos da América do Norte ( a Condessa escreveu Mead) .
(6) D. Manoel Rances y Villanueva, Ministro residente da Espanha, comendador da Real e Distinta Ordem Espanhola de Carlos III estava ausente. A Condessa não saberia o nome do substituto interino representante da Espanha, escrevendo “Espanhol”. Era ele o secretário da Legação, D. Mariano de Potestad, cavaleiro da Ínclita Ordem Militar e Religiosa de São Maurício e São Lázaro da Sardenha.
(7) Marquesa de Paraná, D. Maria Henriqueta Carneiro Leão - Dama honorária da Casa Imperial.
(8) D. Elisa Leopoldina Carneiro Leão, esposa de José Alexandre Carneiro Leão, Visconde de São Salvador de Campos, gentil-homem da Imperial Câmara.
(9) Esposa do Conselheiro Antônio Henriques de Miranda Rego, futuro mordomo interino da Casa Imperial .
(10) Félix Emile Taunay, nascido em Montmorency na França, chegou ao Rio de Janeiro, em 1816, com seu pai Nicolau Antoine Taunay que fazia parte da “missão artística francesa”, vinda ao Brasil, a chamado de D. João VI. Era pintor, como o pai e substituiu-o na direção da Academia de Belas Artes. Foi professor de Francês e de Desenho de D. Pedro II. Faleceu no Rio de Janeiro a 10 de abril de 1881. Pai de Alfredo de Escragnolle Taunay, o Visconde de Taunay .
(11) Filha de Fernando Dias Pais Leme, veador da Casa Imperial. A Condessa enganou-se e escreveu Lemos .
(12) A Condessa em algumas cartas se refere ao “filho de Manuel Higino”porém não cita seu nome. Sabe-se que Manuel Higino de Figueiredo era gentil- homem da Imperial Câmara.
(13) Ana, falecida pouco depois, neta de Luís Alves de Lima, Marquês de Caxias, futuro Duque, ajudante de campo de S. M. o Imperador.
(14) “Estar de semana”, significa a presença de altos dignitários do serviço honorífico que se revezavam semanalmente, prestando assistência aos membros da Família Imperial. Chamados, por isso, semanários.
(15) Joaquim Pinto Neto dos Reis, depois 1o. Barão de Carapebus.
(16) Dr. César Persiani, médico, Barão de Itiúba.
(17) José Martins da Cruz Jobim. Professor da Faculdade de Medicina do Rio de Janeiro. Médico da Casa Imperial. Senador.
(18) José Carlos Mairink - guarda- roupa da Casa Imperial ( a Condessa escreveu Meirink) .
(19) Dr. Manuel de Valadão Pimentel, médico honorário da Imperial Câmara, em 1866 Barão de Petrópolis com honras de Grande do Império.
(20) Resfriado
(21) Ao lado do rio dos Trapicheiros, na Tijuca. Nas imedições havia termas onde eram aplicados “banhos”, “duchas” etc.
(22) Eugênio de Barral, Conde de Barral, primo do Príncipe Eugênio Beauharnais, pai da nossa Imperatriz Amélia, segunda esposa de D. Pedro I.


Senhora,

Beijo a mão de Vossa Majestade pela nova graça que se dignou de fazer-me escrevendo-me no dia 28 do p.p. mês. Essa boa cartinha que tanto gosto me veio trazer chegou-me às mãos no dia 4 deste mês, e já hoje Suas Altezas tiveram outras novas pelo vapor Inglês. Deus seja louvado Vossas Majestades passavam bem salvo a dor de dente que Sua Majestade o Imperador pretendia aliviar, arrancando-o no dia em que escrevia a suas Augustas filhas. O Rinaldi (1) é um perito dentista que havia de ter feito a operação sem muitas dores. É o que eu espero saber breve.
Sua Alteza a Princesa D. Leopoldina mostrou uma grande valentia em idênticas circunstâncias, e meu marido lá leva o dentinho como troféu.-(2)
Tudo tem andado em paz e harmonia, e sem o incômodo dos lábios da Princesa D. Isabel, eu poderia dar o gosto a Vossa Majestade de Lhe dizer que Suas Altezas estão perfeitamente boas. - A Princesa D. Isabel já tomou 11 banhos frios e Sua Maninha 9 por tê-los interrompido 2 dias enquanto a cisura do dente cicatrizava. Ela está gordinha, com linda cor, e já que Ela não lê minha carta, posso dizer, sem despertar vaidades, que está ficando muito bonitinha. A Princesa D. Isabel está muito gorda, e sua inalterável bondade e angélica candura cada vez mais a metem dentro do meu coração. - (3) A semana do Dr. Freire (4) foi aproveitada para a botânica, e se as palestras não foram tão alegres como na Semana de Persiani, não deixaram de ser muito interessantes.
O Taunay sumamente pago pelas delicadas expressões de interesse de Vossa Majestade, me encarrega de Lhe beijar a mão em sinal de gratidão e respeito. As visitas têm sido muito pontuais em vir aos Domingos saber notícias de SS.AA. a Maria Francisca, (5) a Viscondessa, o Cabral,(6)Siqueira, (7) Abrantes, (8) Abaeté (9) e José dos Cacos (10) têm sido dos mais assíduos. A Viscondessa de Barbacena (11) presa em casa por seus incômodos escreve sempre para saber notícias de V. Majestade.
Quando principio, gosto tanto de conversar com Vossa Majestade que me esqueço da seca que Lhe dou. Perdoe-me Minha Senhora e permita que eu deposite aos pés de V. Majestade as humildes expressões de meu respeito e profunda dedicação.
Dominique comigo encarrega o Papá, (12) de por nós beijar a mão de Vossa Majestade, e agradece o lindo peixe, e eu o belo requeijão.
De Vossa Majestade
a humilde criada
Condessa de Barral
6 de novembro de 1859.


(1) Dentista da Casa Imperial Alexandre Petit Renaldy, residente em Salvador.
(2) Muito comum colocar-se dente encastoado em ouro, para enfeite nas correntes de relógio ou ao pescoço.
(3) Demonstra a Condessa de Barral seu especial afeto por D. Isabel de quem seria sempre fiel companheira, em diversos períodos, conforme veremos pelas várias cartas, a seguir.
(4) Dr. Francisco Freire Alemão - médico e botânico. Doutor em Medicina pela Faculdade de Paris. Médico da Imperial Câmara. Agraciado com o título de Conselho. Deixou obras importantes sobre Botânica e notável estudo sobre Plantas Brasileiras.
(5) D. Maria Francisca Calmon Vale da Gama, futura Baronesa de Nogueira da Gama e dama honorária da Casa Imperial, esposa de Nicolau Antônio Nogueira Vale da Gama, futuro mordomo da Casa Imperial e Visconde de Nogueira da Gama.
(6) Francisco Xavier Calmon da Silva Cabral, então moço fidalgo da Casa Imperial, futuro 2o. Barão de Itapagipe, com grandeza (1866), quando tenente - general.
(7) Francisco Joaquim de Siqueira - moço fidalgo, com exercício, da Imperial Câmara.
(8) Conselheiro de Estado Marquês de Abrantes, Miguel Calmon du Pin e Almeida, veador da Casa Imperial, a serviço de S. M. a Imperatriz.
(9) Visconde de Abaeté, Antonio Paulino Limpo de Abreu, gentil - homem da Imperial Câmara.
(10) José dos Cacos - apelido de José Gonçalves da Silva, autor de um relato intitulado “Recordação histórica - abdicação do Sr. Pedro I (1864)”. Foi soldado da Imperial Guarda de Honra.
(11) Augusta Isabel Kirckhoefer, esposa de Felisberto Caldeira Brant Pontes, 2o. Visconde de Barbacena.
(12) o Conde de Barral encontrava-se em Salvador onde fora a negócios.


Senhora,

Não tenho senão agradáveis novas a dar a Vossa Majestade, sobre as Saúdes de Suas Augustas Filhas, que ficam otimamente. Rogo a Vossa Majestade de instar com sua alteza a Princesa D. Leopoldina para que se corrija do mau hábito que tem de estender seu lábio inferior, de coçar a cabeça e o nariz, e de vesgar os olhos quando escreve. Diga-lhe que espera achá-la sem esses cacoetes na Sua volta, para ver se Ela atende às minhas constantes advertências.
Não temos tido grandes tempestades de gênio, apenas alguns aguaceiros que passam, coitada, sem rancor.(1) -
É natural que meu marido já esteja na Bahia quando Vossa Majestade voltar do recôncavo. Tenho bem inveja do gosto que ele vai ter de beijar a mão de Vossa Majestade!
O que me diz Vossa Majestade da minha frondosa Gameleira do Caminho da Feira? Que, da vista das ilhas do Boqueirão, que, da pobre Vila de S. Francisco, tão pitoresca, e de Sto. Amaro onde nem água há para beber? ...
Que gosto será o meu na volta de Vossa Majestade ouvir contar Sua viagem! ... - Dizem que há bastantes casos de crupe e um Dr. Rodrigues está com ambas as filhas à morte, e a pequenita já está na eternidade, mas nem falar nisso é bom! ...
Beijo as mãos de Vossa Majestade e humilde peço a Deus que vele sobre Suas Filhas.

De Vossa Majestade
a humilde criada

Condessa de Barral

11 de novembro [ 1859 ]


Arquivo Grão Pará - Petrópolis, Rio de Janeiro

(1) Nota-se que D. Leopoldina dava mais trabalho do que D. Isabel, não atendendo às advertências da Condessa. Era geniosa não rancorosa.

Senhora,

Minha pobre Bahia deve estar hoje tão triste quão alegre esteve durante a visita de Vossa Majestade, e eu tenho muita dó dela ...
Recebi a carta de Vossa Majestade neste momento e estimo poder responder imediatamente pelo vapor que parte amanhã cedo.
Suas Altezas Imperiais estão muito boas, com belas cores, e tirando ótimo proveito dos banhos frios.
Elas têm estudado regularmente, e não temos tido zangas, nem grandes raivas. - O Bevilacqua (1) não tem sido exato, e são lentos os progressos sobre o piano, os outros mestres têm cumprido suas obrigações. (2) -
Tivemos por cá duas cerimônias, a do batismo da órfã a qual assistiram 130 meninas na capela de S. Cristóvão, (3) e a dos cegos que muito nos sensibilizou. Que belo homem é o Dr. Cláudio (4)que consagrou sua existência ao alívio de tamanho infortúnio! ... Dizem tanto mal deste mundo, e nele encontram-se almas como a do Dr. Cláudio ... Valha-nos isso . -
A viagem para Petrópolis está marcada para o dia 4 de Dezembro por ser um Domingo e assim não se perder um dia de estudo. -
Recebi a carta de meu Marido e a Vossa Majestade devo mais esse grande favor. Estimo que ele tivesse a fortuna de poder seguir logo para Sto. Amaro, e de entregar as cartas de Suas Altezas com toda a brevidade. -
Cada vez vão se tornar mais difíceis as comunicações com Vossa Majestade, e mui tristes ficaríamos da maior distância que nos separa, se não nos lembrássemos que é recuar para melhor saltar.
Aos pés de Vossa Majestade deposito a expressão humilde de meu profundo respeito, e com Dominique beijo a Augusta mão de Vossa Majestade.

Condessa de Barral
22 de novembro de 1859 .

Arquivo Grão Pará - Petrópolis, Rio de Janeiro .

(1) Isidoro Bevilaqua era o mestre de música de SS. AA. Imperiais.
(2) Entre os mestres das Princesas destacam-se: a Institutrice Mlle. Victorine Templier ( sugerida à Condessa de Barral pela Rainha Maria Amélia de Orléans ) ; o mestre de danças Julis Toussaint; o mestre de História, Joaquim Manuel de Macedo; mestre de Ciências, Francisco Crispiniano Valdetaro; a própria Condessa também ensinava.
(3) Capela de recolhimento dos orfãos que estava ligado à Santa Casa da Misericórdia .
(4) Dr. Cláudio Luís da Costa, médico parteiro e cirurgião, diretor do Instituto Imperial dos Meninos Cegos, morro da Saúde e na Praia do Flamengo .

Senhora,

Soubemos pelo Mancebo (1) que ele tinha encontrado o Apa na sua vinda de Pernambuco, e deploramos que ele não trouxesse ao menos um recado de boca. As últimas cartas de Vossas Majestades causaram grande prazer às Princesas que estão hoje perfeitamente boas.
Sua Alteza a Princesa D. Isabel no dia Sábado 26 teve de repente uma dor de ar durante a lição de Madame Diemer, eu estava então jantando e quando subi achei-A de cama tendo se despido para friccionar o lado, mas tudo isso sem ninguém me dar parte, do que fiquei um pouco sentida, mas, como o incômodo, vestir, e despir, tudo isso não levou mais do que ½ hora , nem foi preciso se chamar médico, e que ela continuou mesmo a lição de Mme. Diemer pode Vossa Majestade ficar certa que muito ligeiro foi o padecimento.
Mais assustada ficou a Princesa D. Leopoldina ( a quem também não disseram nada ) quando viu a Mana na cama. Eu não deixei de dizer que estranhava que se não tivesse mandado chamar, ao que replicou D. Domitília (2) que me tinha mandado um criado chamar, enfim. ...
Vossa Majestade conhece essas coisas, melhor do que eu, e do que me alegro e Dou Graças a Deus é que a Princesa não tivesse quase nada .
Uma cruz no mapa da Princesinha quer dizer uma raivinha que Ela teve por eu suprimir um certo salva vida que lhe ia custando a vida no banheiro do Trapicheiro. Felizmente a Mana agüentou-a pelo pé e puxou-a privando-a de beber bastante água. Era pé de Ela dar grandes pulos das pedras dentro da água etc. etc. para fugir de perigos não se levam mais os Salvas vidas. A outra cruz foi lá um barulho com Mlle. Templier por falta de ser atenciosa nas Suas expressões, mas nada de bem grave. - Os exames passados diante do Tomás Gomes (3) nas palestras de 8 a 9 horas foram muito bonitos, e deixaram o Dr. de queixo caído por ver como SS. AA. respondem bem.
A distribuição dos prêmios foi bonita no colégio das Irmãs de Caridade, e Suas Altezas desempenharam com graças o fastidioso ofício de coroar as Meninas. Elas estavam muito bem vestidinhas de branco com fitas verdes e chapéus de palha de arroz enfeitados de verde e branco. O que veio de França muito feio, foram os vestidos para o dia 2 de dezembro (4) nem sei se os poderão vestir, tão encardidos estão.
Morreu a pobre Marquesa de Lajes,(5) e está muito mal a Viscondessa de Maranguape. (6) Julgam os médicos que ela não escapa é moléstia do cérebro e da espinha coitada! -
Tive notícia da partida do vapor só agora e por isso Vossa Majestade relevará minhas garatujas feitas à pressa.
Ponho aos pés de Vossa Majestade meus humildes respeitos, e com meu filhinho beijo-Lhe a augusta Mão.

Criada humilde e muito devotada

Condessa de Barral

28 de novembro de 1859 .

(1) Capitão de mar e guerra Gervásio Mancebo .
(2) D. Domitila Francisca de Abreu Brandão que era açafata das Princesas
(3) Tomás Gomes dos Santos, médico. Diretor da Imperial Academia de Belas Artes .
(4) Referia-se a 2 de dezembro, aniversário do Imperador .
(5) D. Isabel Eleonor da Mota Leite Araújo, Marquesa de Lajes, dama honorária da Casa Imperial .
(6) Esposa do conselheiro de Estado Caetano Maria Lopes Gama, Visconde de Maranguape.


Senhora,


Vossa Majestade pode gozar de sua bela viagem com seu coração tranqüilo, Suas Augustas Filhas estão muito boas, e vão se dando otimamente com os banhos frios. Ainda a peguena inflamação na gengiva de Sua Alteza a Princesa D. Leopoldina não deu lugar a se Lhe arrancar o dente, mas as dores passaram, e vieram para mim que tenho constantemente sofrido ora de uma coisa ora de outra. Mas eu aceitaria de bom coração tudo quanto Deus quisesse que eu padecesse em lugar de minhas queridas Princesas. Elas contarão a Vossa Majestade o mergulho semi-trágico, semi-jocoso que D. Rosa deu no Trapicheiro para privar a Princesinha de uma grande queda. A pobre D. Rosa veio para casa como um pinto com a roupa pegada ao corpo mostrando bem que só pesa 110 libras.(1) - Mas, eis o inconveniente da Princesinha só ter D. Rita (2) por Dama, de nada serve mais, senão para andar pelos corredores de lá para cá todo o santo dia ! ... Apesar de eu dizer isto, já acho tanta gente de mais no Palácio que não desejo nem ligeiramente ver aumentar seu pessoal ! ...
Cada vez que eu passo pela varanda, e que olho para as janelas do quarto de Vossa Majestade, tenho muitas saudades, Deus a traga breve minha Senhora, para eu ter o gosto de Lhe beijar a mão e de Lhe repetir quanto Lhe sou dedicada .

Condessa de Barral

PS.Queira Vossa Majestade sofrer que meu Marido e meu filhinho Lhe beijem respeitosos a augusta mão, e dar minhas saudades a D. Josefina.
Cândido Batista de Oliveira (3) está dando sua lição às Princesas, e pede-me que por ele beije a mão de Vossas Majestades.

[ 1859 ]

Arquivo Grão Pará - Petrópolis, Rio de Janeiro .

(1) Libra, antiga medida de peso, correspondente a 459,5 g. e era chamada arratel.
(2) D. Rita Francisca Rose, dama em serviço da Casa Imperial.
(3) Conselheiro de Estado, veador da Casa Imperial, nascido em Porto Alegre era formado em Matemática pela Universidade de Coimbra ( 1824 ) e frequentou a Escola Politécnica de París. De regresso ao Brasil foi nomeado professor de Mecânica da Academia Militar do Rio de Janeiro. Escreveu vários trabalhos sobre Matemática, Economia, Finanças e História .


Petrópolis 5 de dezembro 59 .


Senhora,

Suas Altezas Imperiais chegaram ontem 4 de Dezembro otimamente a Petrópolis tendo uma linda manhã de viagem, porém foram logo nessa mesma tarde obsequiadas com um tremendo aguaceiro Petropolitano, que durou até meia noite ! ...
O dia 2 de dezembro se passou mui bem, e o cortejo foi muito concorrido pelos homens, apresentando-se apenas 4 Senhoras - Maria Francisca, a Viscondessa de Campos, e a viúva do José Clemente (1) e Marquesa de Itanhaém. (2) - Os Ministros acompanharam Suas Altezas até o Caminho de ferro, e vieram mais o Cabral, e o Dr. Borges (3) que esse subiu a serra e dormiu cá.
Achamos tudo perfeitamente em ordem, o Palácio muito limpo, e todas as dependências pintadas e caiadas de fresco. Minha casa está muito bonita. A obra foi bem adiantada, e o Lisboa (4) arranjou lindamente o banheiro de Suas Altezas e a casinha das bonecas que está forrada de papel e pintada, com cadeiras e um consolozinho muito engraçado.
Suas Altezas ficaram encantadas, e já ontem fizeram ovos fritos e nos condenaram a provar desse enfumaçado cozinhado! ... As Damas jantam agora no meu chamado quarto, (ex-sala de jantar de D. Josefina)(5) elas se resignaram mui bem a essa mudança, mas as retretas (6) andam trombudas de comer os restos das Damas, e não sei ainda como repartirão esses 2.os restos para as criadas e negras. (7) Mas tudo se arranjará. Eu pretendo passar os dias em que não tenho que dar lição a Suas Altezas, naquela salinha, onde se deposita a caixa do jantar (8) de Vossas Majestades, para estar perto das Princesas, e ao mesmo tempo, poder trabalhar e ler sem ouvir conversar. O Mordomo mandou D. Francisca (9) na véspera para Petrópolis, e eu e Dominique no dia mesmo pelo vapor da carreira, de modo que na Barca Imperial só veio a Francisca de D. Rosa (10) porque essa não podia vir sem sua gente. Creio ter dado uma fiel notícia de tudo a Vossa Majestade, acabando pelo mais importante que é Suas Altezas estarem muito boas.


Beijo a mão de Vossa Majestade
A fiel e saudosa criada
Condessa de Barral

Arquivo Grão Pará - Petrópolis, Rio de Janeiro


(1) D. Engrácia Maria da Costa Ribeiro Pereira, viúva de José Clemente Pereira ( o conhecido líder que entregou ao Príncipe - Regente D. Pedro o pedido do povo para que ficasse no Brasil ) agraciada com o título de Condessa da Piedade.
(2) Maria Angélica Beltrão, Marquesa de Itanhaém - dama honorária da Casa Imperial, 4.a esposa de Manuel Inácio de Andrade Souto Maior, Marquês de Itanhaém. Em 1833 fora nomeado tutor de D. Pedro II. Senador do Império.
(3) Conselheiro Dr. Cândido Borges Monteiro - médico da Imperial Câmara, cirurgião, depois Visconde de Itaúna com honras de Grande do Império. Senador pelo Rio de Janeiro.
(4) Superintendente do Palácio, tenente-coronel Vicente Marques Lisboa. O mestre de obras era José Francisco Dias.
(5) D. Josefina da Fonseca Costa - dama em serviço da Casa Imperial; em 1877 Baronesa e em 1888 Viscondessa da Fonseca Costa.
(6) Retretas - senhoras que cuidavam dos aposentos da Imperatriz e das Princesas.
(7) Uma hierarquia devia ser observada nas refeições. As pessoas mais categorizadas comiam em primeiro lugar. As retretas julgavam-se lesadas, além de comerem depois das damas, ainda tinham que pensar nas criadas e nas escravas.
(8) Móvel onde eram guardados o faqueiro e a louça .
(9) D. Francisca Emília da Cunha - retreta da Casa Imperial.
(10) A Condessa de Barral refere-se a Francisca Santana, parenta de D. Rosa de Santana Lopes, dama em serviço da Casa Imperial, 2.a Baronesa de Santana ( 1874 ) .

7 de Janeiro de 1860 . -

Senhora,

Eu não queria hoje escrever a Vossa Majestade porque não desejava causar-lhe o desprazer de Lhe dizer que não estou contente do comportamento de sua Alteza a Senhora Princesa D. Leopoldina, mas por outro lado julgo do meu dever prevenir Vossa Majestade do que se passa e devo dizer que Ela tem tratado mal a todos, principalmente à pobre Mlle. Templier que sem o mais leve motivo incorreu a sua aversão como Ela o diz .
Fique Vossa Majestade bem persuadida que a pobre senhora não faz nada para merecer isso, e que até é mais paciente do que eu.
Também não quero deixar de dizer a Vossa Majestade que Suas Altezas me deram no dia 1.o de Janeiro uma lindíssima pulseira, que eu não quis aceitar se não depois de saber que tinha sido comprada com permissão de Vossa Majestade - Dominique recebeu igualmente 2 bonitos brinquedos e por tanta bondade ambos beijamos a mão de Vossa Majestade, Dando-Lhe as boas festas, e apetecendo-Lhe tudo quanto há de bom neste mundo.
Meu Marido esta cercado de desgostos nos seus Engenhos e tem descoberto grandes ladroeiras dos nossos administradores que se têm regalado durante estes três anos de ausência ! Não temos safra, e devemos a quem nem suspeitávamos dever ...
São horas de fechar esta carta beijo com todo o respeito a mão de Vossa Majestade .

Condessa de Barral

Muitas saudades à senhora D. Josefina .

Arquivo Grão- Pará - Petrópolis, Rio de Janeiro


11 de Janeiro de 1860 .

Senhora,

Vossa Majestade não pode imaginar de que alegria ficam todos cheios quando recebem novas de Vossas Majestades, e como todos querem a um tempo saber a época fixa de volta! ...
Desde que Vossa Majestade mandou seu retrato às Princesas, nunca mais Elas se separaram dele. Vossa Majestade assiste às lições, e até fica dependurada no piano quando estudam. O maior castigo que eu tenho prometido e de que tenho tirado o maior proveito, é dizer: que ficará privada de olhar para o retrato Aquela que não trabalhar bem. Ainda não foi preciso usar desse meio cruel para uma amante filha. Estão os retratos mui semelhantes e preferíveis a todos os que até agora tínhamos visto . -
Nunca tive tanta vontade de empurrar o tempo para diante, chegue minha Senhora, e se o que por cá se diz for verdade, venha ainda mais depressa nos dar esse alegrão .
Vossa Majestade já deve estar farta de Te-Deums, e muita bondade é necessária para viver tantos meses em semelhante rebuliço ... O consolo é o bem que tem feito a essa Sua pobre gente .
Suas Altezas tiveram poucas visitas de boas festas Só o Sinimbu, (1) Cabral, Nogueira da Gama, (2) Valadão, Dr. Cláudio, Manuel Felizardo (3) e Barão de Piraquara (4) (ambos com seus valentes narizes ) foram os que vieram decretadamente da cidade para esse fim. Esquecia o Padre Vasconcelos e espera-se amanhã o Dr. Cândido Borges. -
Suas Altezas ficam perfeitamente boas. Sempre nos dão tanta pressa que não há tempo senão para beijar a mão de Vossa Majestade por mim e o Dominique que fica bom .
Condessa de Barral

Devo me acusar de um pecado, e vem a ser : de ter constantemente esquecido de beijar a mão de Vossa Majestade em nome da pobre Mlle. Templier que sempre me encarrega disso. Vossa Majestade só culpe a mim dessa grande falta coitada .

(quatro páginas de texto) .

Arquivo Grão Pará - Petrópolis, Rio de Janeiro

(1) Conselheiro de Estado João Lins Vieira Cansansão de Sinimbu, Visconde de Sinimbu, com grandeza (1888) , ministro dos negócios Estrangeiros, foi ministro da Agricultura da Justiça e presidente do Conselho de Ministros.
(2) Nicolau Antônio Nogueira Vale da Gama, Visconde de Nogueira da Gama. Mordomo da Casa Imperial de 1868 até a proclamação da República.
(3) Manuel Felizardo de Souza e Melo, senador pelo Rio de Janeiro, conselheiro de Estado. Foi ministro da Guerra, da Marinha e da Agricultura.
(4) Gregório de Castro Morais e Souza, 1.o Barão de Piraquara, veador da Casa Imperial, tenente - coronel do Exército, comandante superior da Guarda Nacional .

Senhora,

Já escrevi longamente a Sua Majestade o Imperador(1) sobre a saúde de Suas Altezas, e apesar disso, venho repetir a Vossa Majestade que a Princesa D. Isabel teve 4 dias com um forte pigarro que felizmente não degenerou em defluxo, nem trouxe febre. Ela está tomando soro salçado para melhorar de seus beiços, e com a Glicerina lembrada pelo Dr. Feijó (2) tem se dado muito bem. Seu pigarro nunca a privou de dar suas lições, mas o soro salçado vai privá-la por alguns dias de seus banhos frios . A Princesinha está boa e contentíssima com a chegada da Chica. (3) Maria Antônia (4) está hospedada em minha casa por ter emprestado a dela ao filho do Manuel Higino que partiu hoje à pressa para ir ver sua Mãe gravemente doente de tifo .
Têm morrido 4 Irmãs de Caridade de febre amarela, mas em Petrópolis não me consta que haja moléstia nenhuma reinante. Tivemos 15 dias de Sol mas a chuva quer já se cobrar desse descanso. -
Dominique que quebrou ontem a cabeça já está hoje como se tal não lhe tivesse acontecido. Mas que susto eu tive! ... e que de graças tenho de dar a Deus ...
Espero o dia 14 com a maior impaciência. (5) O Barbolani está em Nova Friburgo. O Ministro da Bélgica (6) queimou o rosto com uma rodinha de fogo querendo soprar sobre a pólvora, e com esta última notícia tenho esgotado tudo quanto há por cá de novo. Beijo a mão de Vossa Majestade e com o mais profundo respeito repito que sou

De Vossa Majestade
a humilde e grata criada
Condessa de Barral
21 de Janeiro de 1860.

Quatro páginas de texto

Arquivo Grão Pará - Petrópolis, Rio de Janeiro .


(1) A correspondência da Condessa de Barral era dirigida assiduamente ora ao Imperador, ora à Imperatriz e algumas vezes a ambos. No entanto, as cartas diretamente dirigidas ao Imperador no período que vai de 1856 a 1865 não foram até o momento encontradas, apesar das referências da Condessa a essas missivas, em cartas dirigidas à Imperatriz.
(2) Luís da Cunha Feijó, médico honorário da Imperial Câmara, Visconde, com grandeza, de Santa Isabel.
(3) Francisca, parenta de D. Rosa, 2.a Baronesa de Santana .
(4) D. Maria Antônia de Verna Magalhães da Fonseca, dama da Casa Imperial .
(5) Dia 14 de fevereiro estava anunciado como o previsto para a chegada dos Imperadores .
(6) Conde Paulo de Borchgrave de Altena, ministro residente da Bélgica no Brasil .

1.o de fevereiro 60

Senhora,

Vossa Majestade não pode imaginar com que prazer eu lhe escrevo esta última carta que parece o prelúdio de Sua chegada ao Rio! ... Deus seja mil vezes louvado. Suas Altezas contarão a Vossa Majestade, a visita do Sr. Arquiduque Ferdinando Maximiliano, (1) mas é natural que não digam quanto Elas se portaram bem. Eu não esperava nem tanta boa graça, nem tanto desembaraço sem demasiada familiaridade, em suma fiquei muito contente, e todos encantados com nossas Princesas. - Os Ministros (2) tinham dado a entender ao Príncipe que ele seria hospedado no Palácio, mas Sua Alteza Imperial nem nisso pensou, e foi diretamente morar no hotel Oriental, (3) aceitando no dia 30 um jantar no Paço e no dia 31 um pequeno chá em família sem ninguém de fora exceto a Sra. do Mordomo.(4) O Príncipe ficou à mesa entre as duas Princesas, D. Rosa perto da Princesa D. Isabel, e eu ao lado de minha travessa Princesa D. Leopoldina que foi o mais amável que é possível. O Mordomo e Mr. de Sonnleithner faziam face ao Príncipe, e as mais Senhoras e homens de casa e da comitiva do Príncipe rodearam a mesa em número de 15. O jantar foi decente e servido na futura sala de baile. (5) 2 lindíssimos dias ajudaram a bem festejar o Arquiduque. A Primeira vistaque S. A. fez às Princesas foi um grande uniforme, mas veio ao jantar de casaca preta e calças brancas.
- Ele tem um todo elegante, e boas maneiras, fala muito e tem grande uso dessas conversas de salão, quanto ao fundo não pude ajuizar visto a conversa não ter passado de banalidades, mas foi singular que eu lhe falasse no meu velho conhecido Conde Bombelle que justamente foi seu Preceptor, e na Condessa de Lutzow (6) que é ela grande maitresse (7) da Arquiduquesa ambas pessoas de minha amizade de modo que isso estabeleceu logo uma espécie de conversa agradável para S. A. - O penteado do Príncipe é muito singular e me faz suspender o juízo quanto ao fundo que de ordinário não dá tempo para tantos requifeques. (8)
Dizem uns, que ele veio ver nossas Princesas para o Irmão o Arquiduque Luís José Antônio Vítor que tem 18 anos, outros para o cunhado o Conde de Flandres (9) que tem 23 anos, e isso logo me pôs de orelhas em pé .
Vossa Majestade por Sua grande bondade desculpará esta longa carta que não é mais que um intróito às imensas narrações que ficam para a vista. Espero o Dr. Borges hoje para ele decidir de conformidade com o Dr. Valadão se Suas Altezas vão receber Vossas Majestades à cidade, e muitas cócegas tenho tido de dar às Princesas esse grande alegrão, mas antes de saber o parecer dos Médicos ficarei silenciosa, para não dar talvez esperanças, que mais ainda fariam sentir o não ir à cidade, se eles resolverem que há nisso imprudência.
Beijo a mão de Vossa Majestade por mim e por meu filinho que já está de todo restabelecido da testa quebrada.
De Vossa Majestade
a humilde e obediente criada

Condessa de Barral
Vire V. Majestade a página .

O Turco (10) apresentou uma conta de 1 conto de réis pelos dois dias que S. A. I. passou no hotel Oriental, mas quando o Sonnleithner foi pagá-la já estava o Turco com o dinheiro, e não quis dizer quem tinha pago. Perguntou o Sonnleithner ao Mordomo se seria ele, e respondendo-lhe este, com toda a dignidade : que não se permitiria de pagar as contas de S. A. ainda não se sabe quem foi, mas desconfia-se que fosse o Núncio que também tinha oferecido hospedagem. - É o cancan (11) de hoje em Petrópolis. O Arquiduque foi Padrinho do filho do Ministro da Áustria, que até soube ter um morgado a propósito, para se chamar Ferdinand Maximilien ! - A Princesa D. Isabel ofereceu ao Primo um beija- flor empalhado, e deu-lhe, para levar à Sra. Arquiduquesa um pequenito enfeite de asas de besouro que ela tinha. A Princesinha mandou à Arquiduquesa um lindo lenço de tecido, e ambas deram o Urubu-Rei ao Príncipe. (12) Creio ter contado tudo, exceto que o Príncipe foi visitar o Túmulo de S. M. a Imperatriz Leopoldina (13) e que o acompanhou nessa visita um dos Srs. Siqueiras (14) - O Sr. Delamare (15) foi buscar o Príncipe à Raiz da Serra em nome do Mordomo. - O Pinto de Melo (16) tem-se visto em calças pardas com tantas ordens telegráficas e amanhã deve o Príncipe ir a Santa Cruz ver as plantações de café. (17) Bem entendido que os estudos foram só interrompidos no dia 30 porque todo o 31 Suas Altezas estudaram como se não devessem dar seu chá de noite.
Receberam o Príncipe de vestidinhos de cassa cor de rosa que rivalizava com as faces d’Elas em frescura. Jantaram de branco - e no outro dia vestiram-se de cor de rosa e branco decotadas sem nenhum enfeite de ouro. - Tocaram piano valsaram com o Príncipe, e uma com a outra, fizeram peloticas, (18) mostraram as vistas da Bahia e de Per- nambuco enfim foi o tempo agradavelmente empregado. - Remeto ao Imperador a resposta do Dr. Borges que exige por escrito, e como ele, e o Dr. Valadão ( autorizando-o a falar em Seu nome ) julgam que Suas Altezas podem ir à cidade é natural que lá tenhamos o extremo prazer de ir beijar a mão de Vossa Majestade.
Até o dia 11 de fevereiro Minha Senhora !

a humilde criada

Condessa de Barral

1.o de Fevereiro de 1860 .

Oito páginas de texto.

Arquivo Grão Pará - Petrópolis, Rio de Janeiro

(1) O Arquiduque Maximiliano chegou à Bahia somente a 11 de janeiro de 1860, na corveta austríaca Elisabeth. Sua chegada era esperada e fora oficialmente anunciada para princípios de dezembro de 1859. Houve um atraso provocado pela permanência de alguns dias na ilha da Madeira, por se encontrar enferma a Arquiduquesa Maria Carlota, sua esposa. Prosseguiu sem ela e ao chegar à Bahia não encontrou mais os Imperadores que se haviam retirado para continuar o programa da viagem às Províncias do Norte. Dirigiu-se o Arquiduque para o Rio de Janeiro e daí para Petrópolis para apresentar seus cumprimentos a SS.AA. Imperiais (30 de janeiro de 1859)
(2) O ministro dos negócios Estrangeiros, João Lins Vieira Cansansão de Sinimbu, depois Visconde de Sinimbu, e o ministro residente da Áustria-Hungria no Brasil, Hippolyt von Sonnleithner .
(3) De propriedade de Said Ali ( pai do eminente filólogo Manuel Said Ali Ida ) sito à rua dos Artistas, hoje Avenida Sete de abril - Petrópolis .
(4) D. Francisca de Paula dos Reis Alpoim, casada com o mordomo da Casa Imperial conselheiro Paulo Barbosa da Silva.
(5) A extremidade da ala esquerda do Palácio de verão de Petrópolis .
(6) Maria Inácia, Condessa de Lutzow, nascida Baronesa de St. Just .
(7) Dama principal .
(8) Alteração de requifife, enfeite, adorno .
(9) Príncipe Felipe, Conde de Flandres, Duque de Saxe e Príncipe de Saxe-Coburgo-Gotha, filho do Rei Leopoldo I da Bélgica .
(10) Apelido dado a Said Ali .
(11) Maledicência ou “diz-que-diz”.
(12) Maximiliano tinha pendor pelas Ciências Naturais .
(13) Primeira esposa de D. Pedro I, irmã de Francisco Carlos José, pai de Maximiliano, irmão de Francisco José, Imperador da Áustria. O túmulo de D. Leopoldina estava no Convento da Ajuda. Daí passou para o Convento de Santo Antônio, no Rio de Janeiro. Está hoje no Monumento do Ipiranga (SP) para onde foi trasladado em 1954. No mesmo local se encontram os restos de D. Pedro I, trasladados do Panteão Real de São Vicente de Fora em Portugal,por ocasião de Sesquicentenário da Independência do Brasil.
(14) Pedro Antônio Calmon Siqueira (gentil-homem) e Francisco Joaquim de Siqueira ( moço fidalgo ).
(15) Veador, vice-almirante Joaquim Raimundo de Lamare, guarda-roupa da Casa Imperial, depois Senador por Mato Grosso, em 1888 Visconde, com grandeza, de Lamare .
(16) Francisco Pinto de Melo, oficial da Secretaria da Mordomia - Mor da Casa Imperial .
(17) Embora fosse a Fazenda Imperial de Santa Cruz destinada à criação de gado, não escapou ao surto da lavoura cafeeira, que se estendeu pela Província do Rio de Janeiro .
(18) Jogo com bolinhas, das que usam os pelotiqueiros .


Senhora,

Aí vai finalmente o Senhor Arquiduque Maximiliano, e eu encarrego Monsieur de Sonnleithner de levar a Vossa Majestade as últimas notícias de Suas Altezas Imperiais que ficam Deus louvado boas. Se a Princesa D. Isabel não tem continuado os banhos frios é em razão de estar tomando soro salçado para melhorar de seus beiços, (1) mas o resto de sua saúde vai otimamente. - Eu tenho gozado de ante-mão do gosto que vão ter Suas Altezas quando eu Lhes disser que vão à cidade se encontrar com Vossas Majestades ! ... ficam doidas de prazer ! - V. Majestade tem de ter muitas surpresas tanto em S. Cristóvão (2) como em Petrópolis, (3) mas eu não devo dizer nada, e antes que vá tagarelar beijo a mão de Vossa Majestade, rogando-Lhe o favor de me recomendar à D. Josefina. - Eu sou de Vossa Majestade

a humilde e respeitosa criada

Condessa de Barral
4 de fevereiro de 1860 .

Três páginas de texto .

Arquivo Grão Pará - Petrópolis, Rio de Janeiro

(1) Em algumas cartas da Condessa, observa-se a referência à inflamação nos lábios da Princesa D. Isabel. Provavelmente se tratava de aftas provocadas por alguma gastrite .
(2) O Paço de São Cristóvão mobiliado com decente conforto, e simplicidade. O parque edificado no meio de caprichosas alamedas contornava copados bosques, pela arte paisagística de Augusto Francisco M. Glaziou, diretor de parques e jardins da Casa Imperial .
(3) O Palácio de verão, situado em Petrópolis, para onde se refugiava a Família Imperial durante a estação. Com a Proclamação da República foi alugado para instalação do Colégio São Vicente de Paulo. Desapropriado e transformado em Museu Imperial a 29 de março de
1940 .

Minha Imperatriz !


De Paris escrevi (1) a V.M.I. dando o primeiro gemido pela horrível notícia que recebi lá, e agora renovo o doloroso sacrifício de Londres onde cheguei a 15 deste mês. (2) -
Como talvez ninguém dê a V. M. I. os detalhes que para mim, como Mãe foram facadas, mas ao mesmo tempo fonte de uma sorte de alívio pelas lágrimas que me fizeram derramar, aí lhe copio a carta que a Princesa Clementina(3) escreveu à Princesa de Joinville a 10 de fevereiro.
“Que la volonté de Dieu soit faite ma bonne Chica: (4) mais le coup est dur et nous sommes bien malheureux. L’ état de mon pauvre Gousty (5) me fend le coeur, il sanglote à chaque instant, ne mange, ni ne dort, et est d’un changement affreux ! Elle l’aimait tant ! Et ils étaient si parfaitement heureux ensemble ! Voir tant de bonheur détruit à 25 ans (6) c’estaffreux !! Et ces pauvres petits enfants ! - Je t’ai écrit Samedi, la journée de Dimanche et celle du Lundi ont été calmes et tranquilles. Elle n’ouvrait pas les yeux: mais entendait ce qu’on lui criait dans l’oreille, et a certainement reconnu la voix de Sa Soeur car elle a dit quelques mots en Portugais. (7) Le Lundi soir les médicins ont trouvé un mieux sensible, et nous avons repris espoir. La nuit a été calme : mais vers le matin le Mardi la poitrine s’est prise et à 10 heures les médecins ont déclaré qu’il n’y avait plus d’espoir, et pourtant j’en ai gardé encore dans cette longue journée passée auprès de son lit, la voyant si calme et si peu changée : mais vers 4 heures la respiration est devennu plus courte. L’Abbée Blumel a récité les prières des agonisans nous étions tous à genoux autour de son lit , et à 6 heures la respiration a cessé, sans qu’on vit la moindre contraction sur son visage . Elle était même belle à ce moment, et avait une expression angelique. Maintenant elle est couchée dans un cercueil vêtue d’une robe de soie blanche, une couronne blanche et son voile de noce sur la tête. Elle est toute entourée de fleurs fraiches, des couronnes qui on été envoyées par toutes les Princesses. (8) Elle n’est pas changée, et fait du bien à regarder . Demain il y aura la céremonie religieuse dans la maison et elle partira pour Cobourg oú nous l’accompagnerons tous y compris Gaston et Isabelle qui sont bien bons. Cette dernière est désolée.
On m’annonce l’Empereur, (9) je t’embrasse prie pour nous, nous en avons bien besoin

Tout à toi

Clementina
Oui prions, prions beaucoup, (10) minha querida Imperatriz, minha infeliz Mãe do Anjo que subiu ao Céu, e creia que Sua profunda dor faz eco no meu coração. - Esperamos breve a Princesa Isabel aqui, e meu encontro com ela já me assusta !
Deus teve dó de mim em Paris porque depois de me subir o sangue violentamente à cabeça produziu uma abundante hemorragia pelo nariz e me salvou de uma congestão - Mas estou agora sem novidade. Assim pudesse dar boas notícias de S. M. a Imperatriz Amélia (11) que tem passado muito mal, preparando-nos novas dores e novo vazio no coração ! Oh ! custa muito dizer: “ Que a Vontade de Deus seja feita ! ” e eu não dou ainda a V. M. I. o pio exemplo.
Adeus minha Senhora queira ler ao Imperador esta carta e pelo pensamento, permitir que aos pés de ambos chore a humilde e dedicadíssima criada.
Condessa de Barral

17 de Fevereiro 1871

Estou certa que V. M. I. pensa hoje nos 17 anos do Dominique mas para nós não há hoje senão tristeza . (12)

Papel tarjado de luto .
Quatro páginas de texto .


Arquivo Grão Pará - Petrópolis, Rio de Janeiro .


(1) De Paris escreveu a 11 e 12 de fevereiro sobre a morte de D. Leopoldina Teresa .
(2) Novamente renovava o doloroso dever de falar sobre o assunto .
(3) Princesa Clementina Carolina de Bourbon e Orléans, filha do Rei dos Franceses, Luís Felipe, casada com o Príncipe Augusto Luís Vitor de Saxe-Coburgo- Gotha, Duque de Saxe, sogros da Princesa D. Leopoldina Teresa .
(4) Assim era chamado , em família, D. Francisca, Princesa de Joinville, irmã de D. Pedro II .
(5) Era assim chamado, na intimidade, o Príncipe Luís Augusto Maria Eudes de Saxe .
(6) D. Luís Augusto Maria Eudes contava 25 anos (nascido em 1845) e D. Leopoldina, mais precisamente, 23 anos, 6 meses e 25 dias de idade .
(7) A Princesa Imperial D. Isabel, que regressava da Inglaterra, com seu esposo o Conde d’Eu, ao ter notícia da enfermidade de D. Leopoldina, chegara a 5 de fevereiro .
(8) As Princesas austríacas e outras residendes em Viena .
(9) Imperador Francisco José da Áustria- Hungria, primo em 1.o grau de D. Pedro II .
(10) Tradução :


Que a vontade de Deus seja feita minha boa Chica : mas o golpe é duro e nós estamos bem infelizes. O estado do meu pobre Gousty me corta o coração, soluça cada instante, não come, nem dorme, e é uma terrível mudança ! Ela o amava tanto ! E eram tão perfeitamente felizes juntos ! Ver tanta felicidade destruída aos 25 anos é horrível !! E estas pobres crianças ! - Eu te escrevi sábado, o dia de domingo e o de Segunda-feira foram calmos e tranqüilos. Ela não abria os olhos: mas ouvia o que se lhe gritava ao ouvido, e certamente reconheceu a voz de Sua Irmã pois disse algumas palavras em Português. Segunda-feira à noite os médicos acharam uma melhora sensível, e nós recobramos esperança . A noite foi calma : mas pela manhã, de terça-feira o peito foi tomado e às 10 horas os médicos declararam que não havia mais esperança, e entretanto eu ainda dela cuidei nesse longo dia passado junto do seu leito, vendo-a tão calma e tão pouco mudada: mas pelas 4 horas a respiração tornou-se mais curta . O Abade Blumel recitou as orações dos agonizantes nós estávamos todos ajoelhados em torno de sua cama, e às 6 horas a respiração cessou, sem que se visse a menor contração na sua fisionomia . Ela estava mesmo bela nesse momento, e tinha uma expressão angélica . Agora está deitada num caixão vestida com uma roupa de seda branca, uma coroa branca e seu véu de casamento na cabeça. Está toda cercada de flores frescas, de coroas enviadas por todas as Princesas . Ela não mudou, faz bem olhá-la . Amanhã haverá cerimônia religiosa em casa e ela partirá para Coburgo onde nós todos a acompanharemos inclusive Gastão e Isabel que são muito bons. Essa última está desolada .
Anunciam-me o Imperador, abraço-te reza por nós, temos disso muita necessidade.

Toda tua

Clementina

Sim, rezemos, rezemos muito

(11) D. Amélia de Leuchtenberg, Duqueza de Bragança, Imperatriz do Brasil, viúva de D. Pedro I, portanto, madrasta de D. Pedro II .
(12) O aniversário de Dominique passaria nesse ano sem ser comemorado por causa da morte de D. Leopoldina. Isentava assim aos Imperadores de lhes enviar os parabéns como de costume .