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segunda-feira, 1 de outubro de 2007

Os Tumulos

Daremos início ao mais importante dos poemas de Domingos Borges de Barros, feito quando da morte de seu filho, com apenas 10 anos de idade, vítima fatal de uma grave enfermidade. Este poema é a expressão de dor de um pai com a prematura morte do seu filho, é um poema romântico, bastante apreciado pelos seus contemporâneos.
Mereceu este poema a apreciação do Dr. A. J. de Mello Moraes que, o motivou a editar a poesia em sua 2a. edição na Bahia em 1850, através da tipografia Carlos Poggeti em um pequeno livro de 40 págs., merecendo também o prefácio, conforme abaixo :

"O poema que sob o título - Os Tumulos, publico eu hoje, é uma das mais belas producções literarias, que temos n’ este genero, do EXMO.SR. Domingos Borges de Barros, Visconde da Pedra Branca".
Estudava eu as humanidades, quando ás mãos me vierão os dous voluminhos das obras do ilustre poeta, e tanto gosto tomei, que me servirão de licção á muitos respeitos. Conhecia, que um vazio ficaria em nossa Literatura, se o nobre Visconde, deixasse incompleto o poema, que ora sahe á luz da publicidade. Correrão os tempos, e aprouve a Deos, que interesses communs ( As Irmãs de Caridade ) ligassem-me ao exímio poeta, e quando havia ganho o favor de sua amizade, pedi-lhe instantemente o resto do Poema, á completar o que se havia impresso. Minha exigência foi acolhida, e teve despacho o meu desejo, quando mal eu esperava.
Em dias de moléstia recebi tão grato presente, e na verdade nada veio tão oportuno á suavizar as dores, que a lição edificante e saudável, que me forneceu o poema Os Tumulos.
O ilustre Visconde, o amavel cantor das virtudes da mulher, queria que as dores de seu sensivel peito, não se avivassem mais ; queria que, de sua lira de oiro, os sons Divinos não lhe arrancassem do coração as justas saudades de seu perdido filho, do seu amor, ou mais ainda, do seu esperançoso futuro; porém que ! se de um lado isto queria o coração, a patria exigia o sacrificio da dôr _ dôr e sacrificios se experimenta e se fazem, pelo Amor e pela Patria.
Amor e Patria é o tudo de um homem.



Dr. Mello Moraes




Os Tumulos (1)
CANTO I


Longe risonhos engraçados sítios ,
Frescos ribeiros, auras perfumadas .
Esfriou nos meus labios o sorrizo ,
Nos meus olhos as lagrimas secárão .
Foi-se até de chorar triste consolo .
Gravosa ideá o espirito acobarda ,
Quebra-me as forças; já não vivo, existo ;
No futuro morri, morrendo o filho .(2)

É mansão minha o olvido, que vingado
Via em virtudes, que no filho abrião .
Meiga filinha, virtuosa esposa ,
Orfans comigo, iguaes na desventura
Vinde um adeus dizer ao irmão, ao filho.
Á noite cede o sol a etherea via ;
Longe de vãos prazeres, vamos juntos ,
Por entre sepulturas vagueando .
Amargoso consolo vem, saudade !

Palida fria luz derrama, ó Phefe !
Sentidas queixas, triste gorgeando ,
Desate suspirosa Philomena .
Mirtos, ornai amantes venturosos ,
Em torno de mim Cipreste mil negregem .

Um alheio e misero consola ,
Ninguem um ai me dá, ninguem me escuta!...
E compaixão procuro?... anhelo a morte :
A morte é o refrigerio dea desgraça ,(3)
É para o justo a noite d’um bom dia ,
A morte espanta só quando pensada ,
A morte é nada, a eternidade é tudo .

Cercado estou de túmulos ... abri- vos
Reino da morte, abrigo do infurtunio !
De chimeras caducas desengano .
Erguei- vos mestas, pavorosas loizas !
Ossos mirrados, lividos despegão ,
Fetidas carnes, podres ligamentos ,
Que impuros vermes em silencio pascem ;
Ascosos restos d formosas fórmas .(4)

Eis os profundos admirados sabios ,
Os Reis altivos, grandes, e temidos !
Nem teus visos Belezza aqui estremão .
Igual poeira dão, cajado e sceptro ,
Os farrapos do pobre, ea régia purp’ra ;
Na sepultura tudo se confunde ;
Tudo assim passa, a morte acaba tudo .(5)
Da humana vida a aurora, e o ocazo tocão .
É como a luz a vida, apaga-a um sopro .
Sabemos vida ter porque sentimos ,
Vem de fóra o sentir, a vida é nada .

Após honras serpeai resteiros entes ,
Esse raio apagai que vence a morte ,
A virtude ; e depois notai os tumulos !

De inconsolavel Mãe oiço os queixumes !...(6)
Sombra querida, do querido filho !
“Meu amor, meus desvelos, nada pôde !...
“Meu Deos, tanta oração, tão puros votos ,
“Tudo baldado foi !... Mas não augmenta
“Um esp’rito Celeste a gloria tua ,
“E perdi no meu filho a gloria minha .
“Se mais era que humana a prenda amada,
“Porque o fizeste assim, para roubar-m’o ?
“Para todos tão bom, és máo comigo ?
“Que mal te fiz, meu Deos?... Porém que vejo !
“Oh ! quanta luz diviso ! vejo as fontes
“Do eterno incompreensível !... éis meu filho!...
“Filho adorado, vem, corre a meus braços !
“Olha o seio infeliz de que naceste ,
“Olha estes peitos que te derão leite ,
“Conhece aquella voz que os sons primeiros ,
“A formar te ensinou, que te chamava
“Para teus jogos ; Tua Mãe conhece :
“Dos teus primeiros gostos companheira ,
“Companheira fiel nas tuas dores .
“Quem te beijava quando ao pobre davas ,
“Quem te beijava quando o amor da patria ,
“Vinha do coração no infantil fogo .
“Quem esquecendo o alimento, somno,
“Junto ao leito da dôr constante viste ,
“Quem pela vida tua, dera a vida .

“A cada passo um nobre monumento
“Do que serias, filho, vem matar- me ;
“Ó Brasil ! Ó Bahia ! ó patria nossa !
“Chorai meu filho, que um Heróe perdeste !
“Nem o materno amor me cega : digão
“Quantos o virão, qual a nossa perda .

“Dias de angustias assim porque fugistes?
“Vinda outra vez, trazei minha esperança ,
“Trabalhos mil com ella, emvora venhão .
“Deos, ou dai- me o meu filho, ou dai- me a morte”.

D’ um pai nenhum trabalho as forças quebra ,
Quando se vê na prole continuado .
A filha move sentimentos brandos ,
O filho eleva para a gloria o brio .
O filho é outro elle, além da tumba
Vê remoçarem as fadigas suas :
Do filho no esplendor, o porvir goza .
Lá vai seu nome de láurea ornado .
O movel principal de humanos feitos ,
O amor proprio, se dilata, e farta .

Ah ! como foges mentirosa esperança !
O doirado futuro como embaça
O halito da morte ! Vãos projectos !
Já de verdade o espelho formidavel ,
Mostra o que são da terra os bens caducos .
Que mais aspira o pai, que mais deseja ?
No futuro morreu, morrendo o filho ! ...
Hymeneo que de flores coroado
Sua dita fazia, e seu tormento :
A dôr lhe dobra da consorte as dores .
Fita a querida lamentosa esposa ,
Vê do filho as feições, não vê seu filho .

Alli brincava, aqui lia comigo ;
Este desenho é seu, eis sua letra !
Cobrem a meza insulsas iguarias .
Junto a mim se sentava ... Onde! Onde!
Ai ! como do consorcio o tecto amado ,
Cobrindo o casto amor, afflige agora !
Ai ! quanto fujo de mirar a esposa !
Leio em seus olhos o que n’alma sinto ,
E sei que os meus lhe estão dizendo o mesmo.

Nem eu nem ella pronunciar ousamos .
Partem do peito os ais, dos olhos pranto.
São ambos desditosos, mais se querem ,
E porque muito amão, temem-se ambos ;
A saudade os separa, amor os chama .

Tu meu tesouro, filha suspirada , (7)
Da vida alento, que tremendo adoro ;
Que trancendes no esp’rito tanto a idade ,
Qual teu irmão, precoce ! ... vai-te idéa ! ...
Como no frio, no forçado rizo
Com que para alegrar-me, o mal disfarças
Minha alma punges, com doçura amarga !
Constranjo o rosto á desmentir o peito .
Esse terno cuidado que desvia ,
De nossos olhos, do irmão perdido
Os moveis favoritos, os brinquedos ,
A custosa attenção com que o não chamas?
Teu doce agrado me envenena a vida .
Oh ! alma, de minha alma, ó minha filha ,
Vem a meus braços, vem, chora comigo ;
Não temas do irmão dizer o nome ;
Eia, de pranto nossa dôr fartemos .
Ainda a vida em flor, innocentinha ,
Ignoras o prazer, e a dôr conheces ?
Ahi a tens, guardai -a, ó Providencia !
Porque sem ella supportára a vida ?
A filha existe ... a vida te agradeço ;
Agradeço o seu mal, é bem da filha .(8)
Sacrificios humanos não te bastão ?
Sacrificio ahi tens com que não posso ,
Ahi tens meu filho morto : tenra planta
Longe do clima seu, medrar não pôde .
Patria, longe de ti, por ti soffria ,
Balança o amor da Patria, o amor paterno :
Que mais querem de mim ? mais sofrer posso !
Quebradas forças, animo abatido
Qual meu vigor te dei, dar-te-hei o resto :
Com que ufania te legava o filho !
Ó quanta n’ elle tu perdeste gloria ?
Ouve-lhe a voz extrema, a extremos votos ;
Elles quebrárão juntos do meu peito .
“Vinde a mim, caros paes, nada de pranto ,
“Pouco tenho de vida, ó paes ! beija-me ...

“Minha irmã onde esta ? quero abraça-la
“Pois que ao Brasil servir me não foi dado ,
“Ao menos saiba que por elle morro .
“O que o Brasil me deu, o Brasil tenha ;
“Não, não deixem meu corpo em terra estranha ,
“Entregue-me ao Brasil ... ultima graça ...
“Eu fui bom filho. Adeos !” e um ai ! meu filho !
Sombra adorada, assim o Heróe, o justo
No fim de longa vida o mundo admira .
Pia resignação, corage heroica ,
Serenidade sempre inabalavel
No soffrimento, e mesmo até desprezo .
Assim que de affeição via os indicios ,
Voava outrem não soffresse, impunha as dores ;
Com suas proprias mãos curava as chagas !
As bemfazejas mãos qu’inda estou vendo
Erguida para o céo, a Deos orando .
Inda me sôa n’alma a voz quebrada ,
“E baldado pedir, o céo me chama “.
Inda o que disse seu retrato vendo :
“Perdeis o original, guardais a copia”
Inda ... e é religião soffrer ? ... não posso .
Quanta vez os gemidos suffocando ,
Sobre o chagado corpo quantas vezes ,
O meu corpo estreitando, a mão convulsa
Desffalecida já, secou meu pranto ;
E com frio sorriso procurava
Um consolo me dar, forçando a angustia ?
Com a patria sonhava : e quando a febre
Abalava, pungia o assento d’alma ,
Era para exaltar o amor da patria ,
A saudade dos seus, o amor paterno .
Se ao Brasil não servio, morreu por elle .
Nem ao menos ó céo ! lhe deste o gosto ,
De ver, morrendo, a patria libertada !
Da Divindade arcano impenetravel ,
Inda na infancia, e já virtude tanta ! ...
Tinha dez annos ! ... Religião, conforto .

Sagrada habitação d’alma celeste
Lamentoso penhor, tristes reliquias !
Não, não sereis entregue á terra estranha.(9)
Vivo comnosco tu perigrinaste ,
Morto acompanharás nossos errores .

Ó tu que encerras, urna respeitosa ,
O puro coração do infante puro ,
Para tanta virtude estreito stadio :
Aquelle coração tão compassivo
Tão bom, tão Santo, além da idade sua ...
Urna que encerras da bondade o templo ,
Do desditoso pai te banhe o pranto .
Dá que te abrace em quanto aalma ao corpo .
“A seus pais, e ao Brasil” doce verdade ,
Que me lascera o peito ai ! ... já não sente ,
Immovel, frio ! ... nunca mais teu rizo ! ...
Tua voz nunca mais ? oh ! filho ! filho !
O halito de Deos, alma Divina ,
Á Deos voltou, no mundo não cabia .



Comentários de Mello Moraes a respeito da ( PARTE I ) do poema” Os Túmulos “.


( 1 ) - O que é um túmulo ? Sobre a terra não há cousa tão solemne ! , é uma expressão que não mente, que exprime em um só vocábulo, a creação e a eternidade ; o nascimento e a morte ; o princípio e o fim; as glórias transitórias e chiméricas do mundo, e o silencio sem fim ! um túmulo, é o desengano da vida, é a verdade eterna, que se levanta contra o orgulho do homem ; é a expressão sublime da grandeza do Eterno ! Oh ! como é solemne a vista de um túmulo! como a verdade alli se mostra, sem atavios nenhums ! E o que exprime mais descanço derradeiro da vida ? O nada do homem? ...
Homem o que és sobre a terra ? Que doteu orgulho, de tua vaidade ; onde estão tuas paixões, teu querer, tuas ações, o teu poder ? para que te serviu teu oiro ? Onde está tua espada, teu diadema, teu sceptro ? O que és sem religião .

A morte, é igual para todos ; quer seja Rei, quer plebeu ; quer rico, quer mendigo ; ella é a niveladora dos homens, é não tornar mais ! Expressão de desengano és tu o túmulo ! Sobre ti, só tem poder o Eterno; nada é capaz de dorar -te ? A somma de benefícios que se praticou, em summa, a caridade.

( 2 ) - Principia o poeta, este lindissimo e philosophico Poema, possuido dos mais tristes e lamentáveis sentimentos d’ alma, por ver que de encontro á lage do sepulchro, o seu amor, o seu mais risonho futuro, foi bater a eternidade .
Um filho, é o tudo de um pai extremoso, nelle encherga o seu porvir glorioso, e considera-se reproduzido á viver no futuro . Quando estas idéas alimentavão a existencia paterna, e cuidava o pai, seguro em seu futuro, a morte frusta-lhe a esperança e, sem mais conforto falla do intimo d’ alma .
Gravosa idéa o espirito acobarda, Quebra-me as forças ; já não vivo, existo ; no futuro morri, morrendo o filho .

( 3 ) - É no infortunio que bem se sabe apreciar o poder de Deos ; _ é alli que se conhece o nada das cousas deste mundo ; e que se conhece, que tudo creado por Deos tem um valor sem conta . A morte, que parece ser a ultima das graças que experimenta o homem, no infortunio ella é ás vezes o mais desejado bem : Tudo tem o seu dia de utilidade ! até a própria morte ! Egezias ( o philosopho ) entre as materias sobre que lecionava, era demonstrar á seus discipulos a vantagem da morte, e os males da vida, isto é, pregava ser mais feliz o homem que morria, que o que sobrevivia no infortunio _ Quereis exemplo vo -lo dá no infortunio um Napoleão em seu degredo, e outros, memorados pela historia .

(4-) - A philosophia, que em todo este poema aparece ligada com os mais tristes e melancolicos sentimentos d’ alma realça tanto e com tamanha expressão, que direito e sem preambulo se encaminha ao coração a abater-lhe o orgulho vaidoso . _ Como é, sublime e edificante a lição conciza d’ estes quatro versos ! Quantas verdades não incerrarão . Depois da morte nada é mais o homem, que podridão e misérias.

Ossos mirrados, lívidos despegão
Fétidas carnes, podres ligamentos ,
Que impuros vermes em silencio pascem ,
Ascosos restos de formosas fórmas . ­

( 5 ) - Estes versos podem ser uma imitação, ou versão livre e mui galante dos versos de Horácio:

( 6 ) - Não satisfeito de suas dores, o poeta no arfar dos sentimentos faz fallar o coração materno ( a Exma. Snra. Viscondessa da Pedra Branca D. Maria do Carmo Gouvêia Portugal ) na vehemencia da afflição e da dor, pedindo á Providencia a restituição de seu filho ! E tem razão : As vezes Deos attende as preces sinceras e ingenuas do coração materno .

( 7 ) - A Exma. Snra. Viscondessa de Barral .

( 8 ) - Apezar da dor profundissima e acerba do coração, vemo-lo aqui resignado e cheio de religião levantar os olhos humildes do pranto á Divina Providencia, possuído de gratidão a entregar -lhe a sua jóia mais querida . A poesia christã rica de sentimentos grandiosos e sublimes ao passo que deleita, conforta o espírito no infurtunio, e edifica-o na esperança de melhor vida .

( 9 ) - Domingos Borges de Barros filho, morreu em Paris, no dia 05 de Fevereiro de 1825 com 10 annos de idade ; alli foi embalsamado e transferido para a Villa de S. Francisco, e depois para a Capella do Engenho São Pedro, onde actualmente jaz .

*Autor das pesquisas:. Os restos mortais de Domingos Borges de Barros Filho, encontra-se atualmente no mausoléu dos "Borges de Barros" situado no Campo Santo em Salvador-Ba, junto aos restos mortais do seu pai Domingos Borges de Barros.

obs:. Procurei conservar integralmente a ortografia original de todas as obras transcritas nesse trabalho.

Nota: Falta o 2ª Canto do poema "Os Tumulos"