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segunda-feira, 1 de outubro de 2007

Cartas da Condessa de Barral para o Imperador

Meu Senhor (1)


Não tive a ventura de receber a carta que Vossa Majestade Imperial me faz a honra de escrever por todos os vapores, (2) mas como ainda não vi os membros da comissão que vêm para a Exposição (3) ainda me acompanha a esperança que algum deles seja o bom mensageiro de Sua preciosa carta e fiada na pontual bondade de Vossa Majestade Imperial Lhe agradeço a fé que tenho na Sua grande condescendência . Desejo muito de poder dizer a Vossa Majestade Imperial que Seu Augusto Cunhado o Senhor Príncipe de Joinville (4) fica muito melhor da terrível queda de cavalo que deu correndo um Veado perto de Brighton. A queda podia ter sido fatal porque foi sobre o pescoço, mas Deus louvado não houve fratura e o pescoço está apenas ainda teso .
Seu pequeno sobrinho ( filho da Senhora Condessa de Chartres ) também ...* esperanças de ser conservado, mas Ele tem penado tanto, que vê-lo ir para o Céu será quase um bem coitadinho . (5)
Por minha casa as saúdes vão melhor e com a estação menos rigorosa conto que as melhoras do Conde (6) serão ainda mais satisfatórias.
Esperamos a estátua de V. M. com muita impaciência e estimei saber que Mr. Rochet deve expor aquela que fez do Augusto Pai de V. M.I.(7) en pendant a uma de Carlos Magno que também me parece muito bela. É grande lástima V. M. I. não poder ver essa exposição ... mas acabe-se nossa guerra (8) com glória para o Brasil que maior será ainda Seu gesto.
Meus votos acompanham os desejos de V. M. e minha família os partilha de todo coração beijam comigo Sua Augusta mão.

Condessa de Barral e de Pedra Branca (9)
[1867]

* Ilegível

Papel azul claro timbrado : coroa de conde com carimbo seco .
Quatro páginas de texto .

Arquivo Grão Pará - Petrópolis, Rio de Janeiro .


(1) Esta foi a primeira carta da Condessa de Barral ao Imperador D. Pedro II sem local e sem data, em alguns trechos as letras apagadas, ilegíveis, presumindo-se pela leitura ser do ano de 1867 .
(2) O Imperador D. Pedro II escrevia regularmente para a Condessa. Raimundo Magalhães Jr ., in D. Pedro II e a Condessa de Barral, p.97- 8, publica duas Cartas de D. Pedro à Condessa, datadas de 8 e 22 de Janeiro de 1867, servindo para identificação do assunto desta carta o que nos leva a datá-la de 1867 .
(3) Refere-se à Exposição Internacional de Paris, de 1867 . Em trecho da carta de D. Pedro, de 8 de janeiro de 1867, encontra-se alusão aos objetos brasileiros enviados e que transcreveremos : “... os objetos que vão para lá nos disseram . A coleção de 450 espécies de madeira de lei é belíssima, vai muito bem preparada e com todas as explicações. Talvez apareça também uma tora imensa de peroba para dar uma idéia palpável de nossas árvores gigantescas ... ”
Na carta de 22 de janeiro D. Pedro declara: “... Esta é para recomendar-lhe o portador, o Dr. José Saldanha da Gama um dos coadjuvantes da comissão brasileira da exposição aí . É moço de talento e dado ao estudo da botânica...”
(4) O Príncipe de Joinville, Francisco de Orléans, 3.o filho do Rei dos Franceses, Luis Felipe, casado com Dona Francisca de Bragança.
(5) Refere-se ao Príncipe de Orléans, filho dos Duques de Chartres ( a Duquesa era filha dos Príncipes de Joinville ) que faleceu na infância .
(6) Do Conde de Barral, marido da Condessa .
(7) Em 1875 o estatuário Luís Rochet propôs fundir uma redução em bronze do monumento a D. Pedro I, que fizera para a Praça da Constituição ( hoje Tiradentes ) no Rio de Janeiro. inaugurado em 1862. Ficaria o trabalho por 10 a 12 contos de réis. D. Pedro II não aceitou a proposta, por não poder então arcar com as despesas ( conforme ofício do ministro do Brasil em França, Visconde de Itajubá, ao mordomo da casa Imperial, o Barão de Nogueira da Gama , na correspondência da Mordomia com as Legações e Consulados do Brasil no exterior) .
(8) A Guerra do Paraguai .
(9) Mais tarde, a Barral sempre assinaria o seu título francês, não o brasileiro de Condessa da Pedra Branca .


29 de outubro de 1874


Senhor,

Apresento a V. M., o incluso memorial de não sei quem, pedindo também não sei o que porque padece de tarcocelle(1) moléstia de que nunca ouvi falar. Se a tal moléstia é coisa feia, corra um véu sobre o seu pudibundo rosto. (2) Escusado é pedir de ser justo e de ajudar esse infeliz calafate.-
Quero ganhar as alvísseras dizendo a VV.MM. que sua filha decidiu na Sua Sabedoria ir ao encontro de seu Augusto esposo e que arrasta atrás de si suas duas velhas - (3)
Queira, pois pôr à disposição de nossas Augustas pessoas a galeota e o trem do caminho de ferro e dar as competentes ordens. Partiremos de Petrópolis no Domingo às 2 horas da tarde, pretendemos desembarcar na fábrica das velas em S. Cristóvão.(4) Aí contamos achar um cargo à nossa espera, e mais longe paparuto(5) para confortar nossos estômagos.-
Não pernoitaremos na sua casa, iremos dormir no paço Isabel.(6)
Não levamos ninguém conosco.
Confesse que isso é uma falada chibante.
Não há por cá senão chuva, lama e saudades de Vossas Majestades.
Criada humilde e muito contente
Condessa de Barral

Não sabemos de Froufrou(7) desde esta manhã fugiu atrás de uma cachorrinha branca e preta, estou sentidíssima, antes fosse ele um híbrido sabendo metrisar(8) suas paixões ! ! ! ! !


(1) Doença não dicionarizada, na forma escrita pela Condessa. Não foi encontrada, no Arquivo da Família Imperial, a mencionada petição.
(2) Não se eximia a Condessa de fazer ao Imperador observações desse gênero, assim demonstrando o grau de intimidade de suas relações epistolares.
(3) As damas da Casa Imperial a serviço da Princesa D. Isabel, eram a Baronesa de Suruí D. Carlota Guilhermina de Lima e Silva, ea Condessa de Lajes.
(4) Da companhia Lux-Steárica, na Praia das Palmeiras, antiga dos Lázaros.
(5) Do italiano papare, comer “comidinha”, no Palácio de São Cristóvão.
(6) Como se vê, do Palácio de verão, em Petrópolis, ao de residência da Princesa Imperial, e seu marido no Rio de Janeiro, eram necessárias seis conduções: de carro até o Alto da Serra; diligência,daí a Raiz da Serra; estrada de ferro até Mauá; galeota, até a ponte da Praia das Palmeiras; novamente carros,daí ao Palácio da Quinta da Boa Vista e deste ao Palácio Isabel (Sede do Governo do Estado do Rio de Janeiro).
(7) Cãozinho de estimação.
(8) Além de usar palavras e frases francesas, em sua correspondência, chegava a Condessa a criar neologismos da mesma orígem.



15 de novembro de 1874



Beijo a mão de V.M. pela bondade que teve de me dizer que o Elpídio Borges de Barros vai ser adido aos inválidos da Bahia e como não duvido que tivesse alguma ingerência nesse negócio tanto mais agradeço ter tido dó desse meu pobre parente afilhado de meu querido pai.
Não sabia o apreço em que V. M. tem o talento do Sr. Joaquim Nabuco nem conheço esse moço bonito, mas não resta dúvida que suas poesias francesas e outras coisinhas mais revelam bom gosto. - Sei que Mariquinhas Junqueira tem estado mui doente. diga-o a Imperatriz que sem dúvida mandará saber novas dela.
Sou de V V. M M. a menor e maior amiga respeitosa que tenham.


C. de Barral


A Condessa de Barral



15 de janeiro de 1885


Ai meu pobre Imperador que nossos patrícios não lhe poupam cuidados e maçadas ? Apesar de V. M. ter vasto bojo e aparente fleugma “le diable n’y perd rien(1) e tomara mais do que nunca lá estar ao seu lado para ouvir seus desabafos e fazer-lhe às vezes esquecer a ingratidão de muitos mostrando-lhe quanto sou sua amiga sincera e obrigada -
Sei que lá se foi o Ministro de Estrangeiros (2) e que o Dantas(3) tomou a si mais essa pasta - As caricaturas dele e do Cotegipe numa balança teriam graça se não pesassem sobre coisas tão graves. Enfim Deus é grande.


(1) .... o diabo nada perde ...
(2) O Ministro dos negócios era João da Mata Machado.
(3) Conselheiro Manuel Pinto de Souza Dantas.

Grande Garenne , 30 de Janeiro de 1887


Eu nada li, V. M. está mais adiantado do que eu. Estimo que o trabalho mereça sua aprovação (1) - Eu não gosto muito do estilo do Dória - Je le trouve empoulé, mais Je n’ose rien dire.(2)
Esta sua carta veio me encontrar em San Lucar(3) gozando da presença de seus filhos e netos e da hospitalidade dos meus Duques de Montpensier tão bons e tão amáveis. Estes dias ficarão marcados na memória do meu coração - Tive também o prazer de encontrar aqui a Condessa de Paris com 4 filhos - ela parte amanhã para sua propriedade de Villamanrique(4) perto de Servilha. Nem por estar exilada ela perdeu seu humor jovial nem sua extraordinária atividade. Eu quiseraaparelhá-la com V. M. !! E que mulher inteligente - Ela lê tudo e tudo decora e está em dia com o que o diabo esqueceu. Nunca vi nada semelhante. Se eu tivesse de viver com ela ficava doida. - Tenho boas notícias de meus filhos o incômodo da Chiquinha foi passageiro.


Sua criada obrigadíssimo


C. de Barral (5)


(1) D. Pedro referiu-se no final de sua carta às notas da biografia do pai da Condessa, escrita por Franklin Américo de Menezes Dória, casado com Amanda, filha do 2o. Marquês de Paranaguá.
(2) ... eu o acho rebuscado, mas não ouso dize-lo.
(3) San Lúcar de Barrameda, cidade portuária na Província de Cadiz na Espanha.
(4) Hoje propriedade de sua neta a Princesa D. Esperanza de Bourbon de Orléans e Bragança, esposa do Príncipe Imperial brasileiro D. Pedro Gastão de Orléans e Bragança.
(5) Escrita em papel de carta de D. Pedro, datada de 07 de janeiro de 1887.



15 de abril de 1887


Não quero cansar os olhos de Vossa Majestade com minhas garatujas, mas também não quero que suponha que eu fico indiferente a sua moléstia ...(1)
Cuide-nos, cuide-nos em si, e assim cuidará naqueles que com o maior amor e a maior dedicação pedem a Deus por seu pronto e completo restabelecimento.


Em nome de minha família e no meu.



Condessa de Barral.


Cartão.
Uma página do texto.
Coleção Tobias Monteiro - Seç. Mss. - BN

(1) O Imperador desde fevereiro encontrava-se enfermo. Nessa ocasião fora diagnosticado por conferência médica ( Barão de Sabóia, Mota Maia, Albino Alvarenga ), uma congestão hepática. A infecção tomara as caracteristicas do impaludismo, alternando-se período de melhora e recaida. Como o Imperador sofria de diabetes, agravou-se a situação. Levado à fazenda Águas Claras, do Barão de Águas Claras, de nada valeu. Decidiu-se que o Imperador deveria recorrer a tratamento específico, na Europa, para lá viajando em junho.


Château de Barral

Voiron 17 de Agosto 1888

Meu Senhor
É com profunda mágoa dentro do coração que venho dar a V. M. o sentido pêsame de meus filhos e o meu pelo triste passamento de seu querido neto ! ...(1)
De que véu negro vão se cobrir os festejos projetados para a chegada de V. M.(2) e como agora mais do que nunca quisera eu fazer-lhe companhia para lhe suavisar o grande pesar ...
Seja tudo pelo amor de Deus - E quem sabe se o pobre moço não está mais feliz perto de sua mãe ?
Aceite meu querido Imperador o abraço que sem a menor cerimônia lhe dá de tão longe Sua


Velha criada obrigadíssima


Condessa de Barral


Papel tarjado de luto.
Duas páginas de texto.

(1) Príncipe D. José Fernando, filho de D. Leopoldina.
(2) Por motivo do regresso dos Imperadores, de longa viagem em que esteve doente o Imperador, quase à morte em Milão, foram preparados grandes festejos. A morte do neto, no entanto, iria empanar o brilho dessa recepção.

19 de setembro de 1888
em Voiron Isère


Meu Senhor,


Estou vendo Vossa Majestade naquela poltrona do Splendide Hotel(1) e eu entrando com meu saquinho de costura e me instalando ao seu lado para conversar e lhe ler algumas páginas do maçante Rafael que nunca acabamos, gostando apenas da conversa de porta à porta entre esses 2 tolos que não puxaram pelo ferrolho !
Agora aqui estou lendo com muito maior interesse os artigos de jornais que contam sua chegada ao Rio e se de tão longe V. M. pudesse ouvir minha voz, os meus vivas dominariam todos os outros.
Agora faça-me o favor de não abusar das forças que recobrou e deixe-se desses Sábados passados no Rio e dessas idas e vindas onde me pilhou a maldita febre paludosa !
Quando quiser fazer imprudência tenha o bom Mota Maia a seu lado e diga-lhe de resmelengar (2) de minha parte.
Aceite os humildes cumprimentos de meus filhos e os de sua

Criada obrigadíssima

C. de Barral


(1) Nesse hotel ficou D. Pedro II por muitos dias refazendo-se de recente moléstia que o atacara em Milão, quando viajava pela Itália.
(2) Repreender.


Grande Garenne 27 de Abril de 1890

Meu Senhor,

Recebi hoje um telegrama de Vossa Majestade que me foi outra vez procurar em Voiron quando eu estou na Grande Garenne.
Estimei saber que todos estavam bons e louvo a extraordinária memória de Vossa Majestade por se lembrar de Chiquinha faz anos hoje.
Seria por esse motivo que me mandou esse despacho ?(1) - Pois meu Senhor a pobre menina lá está em Paris com uma erupção por todo o corpo sem se saber ainda se é sarampo ou Roseole(2) prima carnal do sarampo porém muito mais branda.
Ela devia hoje festejar seus 24 anos, convidou amigos a jantar e outros a “passer la soirée”, e tudo deu em nada por causa da moléstia. Essa boa menina anda sempre adoentada, nunca pode fazer um projeto que não venha algum incômodo priva-la de se divertir. Se eu pudesse lhe dar minha saúde como o faria de bom grado ! - Parece que V.M. também vai se aguentando caindo e levantando cada vez mais nédio - assim, Deus o conserve por muitos anos.(3)
A primavera tem dado em droga este ano, e La Lune Rousse(4) tem nos pregado cada uma de tremer. A ventania é tal que lembra Ossian. (5)
Mas V.M. sempre gostou do sibilar do vento - Eu nem um bocadinho acho elemento muito indiscreto, leva tudo pelos ares e ainda hoje corri atrás de meu chapéu não sei quanto tempo vendo a cada instante que também lá iria minha cabeleira; e o brejeiro do Jean a rir e a mangar com a vovó. -
Ouvi dizer que os netos de V.M. foram visitar seu Pai (6) - é muito natural mas V.M. cada dia vai ficando mais só e sempre teimoso não querendo sair do seu Hotel - Isso me prova o quê ? que é sempre o mesmo, e eu a mesma confiada que tenho a ousadia de gracejar com V.M.
Beijo-lhe a mão assim mesmo com muita amizade.

C. de Barral


(1) Ligeira ironia há nesse período da missiva. Porque, poucos dias antes, havia o Imperador esquecido a passagem do 74o. aniversário da Condessa, que no mesmo dia 13 de abril a ele escreveu queixando-se.
(2) Roseole o mesmo que Rubéola, um tipo de Sarampo.
(3) A inatividade tornava D. Pedro II um tanto gordo, o que já se notava, apesar de sua elevada estatura. Já não gosava boa saúde, agravada pela solidão do exílio.
Veio a falecer a 05 de Dezembro de 1891, três dias depois de completar 66 anos de idade, em Paris.
(4) “La Lune Rousse” ( a lua Russa ) é superstição dos jardineiros e horticultores franceses, quanto à má influencia de nosso satélite no crescimento das plantas.
(5) Ossian, legendário poeta escocês do século III, de obras em 1760 imitada por James Macpherson, que alcançou grande êxito, apesar da mistificação literária, por seu caráter sombrio e nevoento, em que não faltava os vendavais.
(6) Referia-se aos Príncipes D. Pedro Augusto e D. Augusto Leopoldo de Saxe. Coburgo - Gotha e Bragança, filhos mais velhos D. Leopoldina e de D. Augusto de Saxe - Coburgo - Gotha, Duque de Saxe.


Londres, 27 de Maio de 1890


Meu Senhor


É da casa de Mrs. Maude 77 Belgrave Road, de saudosa memória, que venho agradecer a Vossa Majestade duas cartas que até hoje ficaram sem resposta por causa do reboliço em que tenho vivo há tempos para cá. -
Tive que por em ordem minha casinha da Grande Garenne antes de ir com os netinhos para Paris encontrar-me com meus filhos. Só demorei-me 4 dias nessa terrível Babilônia e de lá fugi para esta outra Babilônia a vir visitar minha querida amiga de infância que sofreu a operação de catarata e que de então para cá sempre tem estado mais ou menos doente. Encontrei-a aliás em Victoria Station à minha espera e creio que minha presença lhe tem feito muito bem. Não há nada como recordação da mocidade ! Demoro-me aqui até o último dia deste mês (sábado próximo). Volto para Paris, e seguirei breve com os netinhos para Voiron.
Lá darei fundo todo o verão e se V. M. for de palavra ... me encontrará quando quiser. Só o peço é de ser prevenida alguns dias antes, e que me diga quem o acompanha para eu ter os quartos prontos.(1)
Mrs. Maude pede que eu a ponha aos pés de V.M. e que lhe beije a mão.


Condessa de Barral

Arquivo Grão Pará - Petrópolis, Rio de Janeiro

(1) O Imperador cedera aos insistentes convites da Condessa de Barral para conceder-lhe a honra e alegria de uma estada no Castelo de Voiron. É bem conhecida a fotografia do grupo em que se vêem as Famílias Imperial e Barral reunidas, publicada por Raimundo Magalhães Jr. em seu livro D. Pedro II e a Condessa de Barral.